quarta-feira, 1 de agosto de 2012

TUM TUM


Renê contava 24 anos de idade e 6 de namoro com Dorinha. Garoto esperto, inteligente, centrado em conquistar seus objetivos pessoais. Amava a namorada de maneira dócil, romântica, mas não abria mão das obrigações. Quando completou 19 anos, recebeu uma proposta de trabalho irrecusável: trabalhar numa grande empresa, como aprendiz, com todas as despesas pagas e mais remuneração. Inegável que seu coração ficou apertado, afinal, teria que se mudar para outra cidade, a mais de 600 quilômetros de distância da cidadezinha onde o jovem casal morava. Pensou e pensou e concluiu que seria melhor abraçar a oportunidade. Se desse tudo certo, poderia voltar momentaneamente rico e perpetuamente mais inteligente. As primeiras semanas eram torturantes. Todas as noites seu coração ficava em farelos e seus olhos marejavam enquanto lia as cartas de Dorinha. Aguentou firme, como um homem de verdade e, um ano depois, estava de volta, entregue ao amor.

Interessante contar o episodio em que Renê pede a mão de Dorinha em namoro: Ficavam há, pelo menos, 3 meses e o rapaz rendeu-se ao óbvio: Deveriam namorar. Renê passou a noite ponderando os pontos positivos e negativos de namorar com Dorinha – prestou mais atenção nos pontos positivos, evidentemente. Pensava ele: – “Dorinha é linda, a mias linda garota que conheço. Seus olhos conseguem enxergar dentro de minha alma. Além de linda, é carinhosa e atenciosa. Sabe conversar e isto é de suma importância...”. Num sábado à noite, depois de saírem da sorveteria, reuniu coragem sabe-se lá de onde e, enquanto caminhavam, começou a dizer:

– Dorinha, são 3 meses com você. Três meses maravilhosos para mim.
– Eu não diria menos, Renê! – afirmou Dorinha.
– Passei noites em claro tentando tomar a melhor decisão. Acredito eu, encontrei.
– Decisão sobre o que? – Dorinha perguntou com um ar de mistério e de deleite, como se esperasse o pedido.
– Não quero dar rodeios.
– Pois vá direto ao ponto, oras!
– Ok – respondeu Renê enquanto tomava ar e a perna ficava trêmula – Quer namorar comigo?
Dorinha estacou e teve o impulso de dizer “sim”, mas uma centelha deu-lhe uma ideia e mandou: – O que você entende por namorar? Como você vê um namoro?

Renê sentiu-se acuado, como se a pergunta da garota fosse um punhal que lhe penetrava a barriga. Um punhal gelado. Que diabo de pergunta era aquela? Todos sabem o que é um namoro, não há mistério. Quis responder de imediato e sua boca abriu, mas as palavras teimaram em não sair. “Estou mudo!”, pensou. Na verdade, não estava mudo, apenas não sabia definir o que parecia ser definido pelo próprio nome: Namorar. Eis que decide tomar uma sábia decisão: Parar e pensou. Mudo por 15 segundos – acredite que 15 segundos pensando num resposta que pode comprometer sua vida valem uma eternidade – encontrou uma definição e disse:

– Olha, coração, até agora eu nunca tinha pensando nisso. Mas, dentro de mim encontrei a definição para um namoro, sendo assim, eu já havia pensado nela; nos sonhos, talvez.
– Então diga o que acha que seja um namoro.
– Pois bem. O namoro, meu amor, é mais que trocar beijos e carícias em público.
– Continue – insistiu a futura namorada.
– O namoro é a oportunidade que duas pessoas têm de compartilhar emoções, sentimentos, segredos, oportunidade de fazer confissões. É no namoro que podemos evoluir junto de outra pessoa, pois, se errarmos, a outra pessoa, que nos ama, estará ali para, de imediato, nos corrigir e mostrar o que é correto. É uma oportunidade de ter ao lado alguém que me quer bem, alguém que eu quero bem. Oportunidade de cuidar da pessoa amada e da pessoa que me ama cuidar de mim. Namorar é, de certa forma, fazer parte de outra família. Em síntese: meu desejo é compartilhar minha vida com você.
– Renê, não conhecia esse seu lado poeta! – suspirou Dorinha
– Para falar a verdade, nem eu conhecia! – brincou Renê – E então, aceita esse monte de coisa?
– Depois do que você me disse, eu seria uma cretina se dissesse “não”. – E meteu-lhe um beijo na boca, daqueles de cinema, apaixonado, plástico, espetacular.

Seis anos após a cena narrada, a dúvida novamente assola o pobre rapaz. Desta vez, suas noites eram perdidas por conta de indagações mais nobres, de um ideal de vida. Casar-se com Dorinha era seu novo dilema. Imaginando uma lista de requisitos de admissão para um pedido de casamento, ticou “amor”, afinal, a paixão do casal mantinha-se viva há mais de seis anos. Perspectiva de boa vida também poderia ser ticada, afinal, esperava tomar posse do novo emprego, um emprego público, com vencimentos acima de cinco mil reais. Tinha tudo que precisava, mas ainda faltava o conselho do pai. Chamou o pai para uma cerveja no bar da esquina e, após a terceira garrafa de coragem, confessou:

– Pai, quero me casar com Dorinha. O que o senhor acha?
– Olha, filho – ponderou o pai – Casar é algo muito sério. Vai além de dormi na mesma cama. Compreende?
– Perfeitamente, pai.
– Meu único conselho é o seguinte: Você deve imaginar o resto de sua vida ao lado de Dorinha e tentar enxergar um final feliz. Se conseguir, case.

Renê passou mais algumas noites em claro, desta vez imaginando sua vida ao lado da mulher amada. Cada noite era uma fase da vida, ora magnífica, ora um inferno. Dúvidas, dúvidas, incertezas, e dúvidas. Ao final do último capitulo do devaneio de Renê, ele viu aparecer a seguinte frase: “E foram felizes para sempre.”. Pulou da cama e, pouco importando a hora, foi acordar o pai: – “Vou casar, pai! Vou casar!”. O rapaz era só alegria. Numa tarde qualquer, sentado em frente a sua casa, começa a dialogar com seu “eu interior” e, numa atitude cautelosa, decide, antes de fazer o pedido, conversar com Dorinha para tentar sondar se casar também era o desejo da amada. Evitar um não que levaria a tendências suicidas era seu objetivo.

Como ainda não fora empossado no novo emprego, andava de bicicleta. Pegou seu veículo ecologicamente correto e rumou ao encontro de Dorinha. Seu espírito de detetive, de perito em linguagem corporal, estava aguçado. Enquanto pedalava, montava e revisava o roteiro da conversa com a namorada e possível futura noiva. Armou pegadinhas para poder identificar a verdadeira intenção de Dorinha. O roteiro estava quase impecável. No momento, seu medo era esquecer daquilo que deveria falar. Cruzava a rua e pensava: “vou me casar!”. Cruzava outra rua e pensava: “encontrei o final feliz que meu pai falou!”. Cruzava mais uma rua e revisava o roteiro, que começava: “Dorinha, que ideia você faz desse nosso tempo de namoro? Você..”. Andava distraído, concentrado em seu roteiro e, antes que pudesse concluir seu pensamento, um carro acertou-lhe em cheio, destruindo a bicicleta e lançando Renê a alguns metros.

Semiconsciente, o garoto tentou, em vão, se levantar. Seus braços e pernas já não respondiam à sua vontade. Sentiu o gosto quente do sangue em sua boca e tentou cuspir, mas a força que lhe restava não era suficiente. “Que gosto estranho tem o sangue”, pensou. Involuntariamente, lágrimas escorrem pelos olhos, que estavam se fechando. Quase morto, ainda sentia vontade de viver. Seu coração foi batendo menos. Menos ainda. As batias do coração eram lentas e fortes, como se tentasse evitar o inevitável. A cada batida final, uma imagem iluminava-lhe a memória.

TUM TUM: Está numa festa entre amigos e conhece Dorinha.

TUM TUM: A boca de Dorinha está a poucos centímetros da sua, segundos antes do primeiro beijo.

TUM TUM: Pede Dorinha em namoro.

TUM TUM: Está sozinho no quarto, lendo as cartas da amada e chorando.

TUM TUM: grita para o pai que vai casar.

Seu coração não bate mais.

Um comentário:

  1. Esse conto é lindo! Pena que o final é uma tragédia dessa! mas ficou muito bom, parabens! vc é muito talentoso!

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