quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Nota do Marco


Prezados leitores, muito me perguntaram o porquê da pouca atualização do blog no mês de outubro. Eu vos explico: Eu estava em semana de provas na faculdade e dediquei-me exclusivamente ao Direito por cerca de três semanas. Assim que as provas terminaram, fiquei – e ainda estou – doente. Uma gripe que teima em continuar comigo me assola. Então, assim que eu sarar, voltarei a atualizar o blog normalmente. Conto com a paciência de vocês!
Forte abraço!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A chuva e o colchão


Fui à janela olhar o tempo e vi uma forte chuva cair. Os pingos caiam na telha com harmonia e precisão dignas de uma orquestra. O vento gelado que soprava fez-me tiritar e senti um arrepio que eriçou os pelos do corpo todo. Experimentei certa melancolia por estar preso dentro de casa, sem esperança de sair. Resolvi voltar para a sala e, quiçá, assistir um filme, afinal, o clima pedia um filme. Abri a porta da sala e a vi deitada no colchão que havíamos posto no chão. Ela estava deitada de lado, com uma diáfana coberta que me permitia ver toda a sua silhueta. E como ela era sensual! A moça, então, virou-se para mim, puxou a diáfana coberta – numa sugestão para que eu deitasse – e disse: “volte para o colchão”. Assim que falou, deu um sorriso que me corrompeu. Pedi a Deus para que chovesse por uma semana sem parar.

domingo, 23 de setembro de 2012

A disputa eleitoral mirantense


Já nas primeiras linhas eu advirto que não tratarei do mérito de cada candidato, mas, sim da corrida, da disputa eleitoral pelo cargo máximo do poder executivo municipal. Os defeitos e qualidades, os acertos e os erros, o que um candidato pode fazer ou não, deixo para que os próprios digam. Alerto, ainda no primeiro parágrafo, que não sou partidário de nenhum dos candidatos e não tenho por escopo enaltecer um ou depreciar outro candidato a prefeito ou a vareador. Nas linhas a seguir tratarei apenas dos pontos em comum entre a maioria dos candidatos.

A receita seguida para a propaganda e a visibilidade dos candidatos é a mesma de sempre: jingles, adesivos, santinhos, visitas e coisas do tipo. Não vejo problema no tipo de propaganda que praticamente todos os candidatos – quando digo “candidatos”, refiro-me a candidato a prefeito, vice-prefeito e a vereador – escolheram. Até acho que não escolheram tão mal, afinal, essa receita sempre funcionou. Evidente que um pouco mais de criatividade deixaria a disputa bem mais interessante. Se o candidato criasse algo de diferente para divulgar a própria imagem e as ideias, não tenho dúvidas de que ele seria mais comentado e, por conseguinte, teria mais visibilidade, obtendo vantagem sobre os demais candidatos. Não é segredo que uma grande visibilidade na campanha eleitoral gera o comentário de que o candidato “está bem”, ou seja, que é muito popular e com grandes chances de vencer a disputa eleitoral. E não há poder maior para angariar votos do que parecer estar à frente na corrida eleitoral, mesmo que não esteja. Propaganda é tudo.

Os candidatos poderiam surpreender não só na campanha, mas, também, nas propostas. Mesmo que não tenham intenção de fazer algo por alguma coisa, ficar repetindo que “fará mais pela saúde e a educação” evidencia uma enorme falta de criatividade e de propostas. Sinceramente, o que me parece é que o candidato sequer sabe por que quer ser vereador ou prefeito, e pensa: “aaaa, fala que eu vou fazer mais pela saúde e pela educação!”. Ademais, fazer mais pela saúde e pela educação não é tão fácil quanto parece, não basta ser eleito prefeito ou vereador para se fazer mais pela educação. De início, a dificuldade maior está no pouco poder que o município possui. Apesar de a Constituição Federal garantir certa soberania aos municípios, não é suficiente para que um município pequeno e pobre como Mirante do Paranapanema tome as próprias diretrizes acerca do que quer que seja. Além do mais, há uma grande concentração de poder nas mãos do governo do estado e do governo Federal. Estes dois têm poder para traçar o rumo de um município, e mais força ainda se o município for de proporção mirantense. Ao contrário do que se espera de uma Federação (a junção de vários estados, como, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e os demais estados, forma a Federação) não vejo uma regionalização do poder. Sendo assim, sem que o candidato tenha uma grande influência com gente mais poderosa que ele, não posso acreditar que fará mais pela saúde ou pela educação apenas por que o santinho dele promete.

Voltemos aos jingles. Sempre gostei dos jingles, alguns são engraçados e realmente cumprem a razão de existir: grudar na cabeça e fazer o eleitor lembrar-se do candidato e, principalmente, do número a ser teclado na urna. Outros jingles, pelo contrário, são horríveis e anunciados pela cidade inteira através de um som de péssima qualidade. Mesmo que o jingle seja bom ou ruim, esteja num excelente ou num péssimo som, andar pelas ruas a 22 KM/H e o jingle num volume ensurdecedor não ajudará a atrair eleitores. Isso é indiscutível. O som, na maior das alturas, atrapalha a paz de espírito, atrapalha o sossego, atrapalha a concentração no trabalho, atrapalha a concentração nos estudos, atrapalha a concentração de olhar para uma parede. E – exceto aqueles que já eram adeptos do “sonzão de carro” – ninguém gosta, ninguém acha engraçado, ninguém sente prazer quando um carro com um som num volume irritante passa. Então, não coloquem os jingles numa altura para que surdos ouçam. Se o jingle for bom e anunciado numa altura agradável, será aceito com maior facilidade.

As carreatas estão sendo usadas mais do que nunca. Não nego que elas sejam eficientes para dar visibilidade e uma impressão de que fulano está na frente na corrida eleitoral. Porém, basear a campanha como se a o voto devesse ser decidido a partir de quem tem uma maior carreata é ridículo. Não digo por dizer, é só olhar o maior veículo de informação de nosso tempo: o Facebook. Nos compartilhamentos há comparações de ambos os lados sobre qual candidato é melhor porque a carreata ou o comício foi maior. Não creio que a disputa eleitoral deva ser baseada na quantidade de pessoas numa carreata ou num comício. Carretas com fogos: próximo parágrafo.

As carreatas com os fogos – em especial os fogos – não seriam problema se não acontecessem também nos sábados e nos domingos no período da manhã. Sem dúvida, os fogos de manhã irritam colossalmente. Não vejo como os candidatos puderam imaginar que soltando fogos a partir das oito horas da manhã de um sábado ou de um domingo poderiam angariar votos. Tomarei meu exemplo para demonstrar o ridículo raciocínio estratégico: Segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira meu dia começa às oito da manhã e só para de verdade às onze horas da noite. Acordo cedo para trabalhar o dia inteiro e, durante a noite, estudo em Presidente Prudente. Esta rotina não seria um problema se eu não fosse um homem de insônias desesperadoras. Sem saber o motivo, diariamente demoro um tempo enorme para começar a dormir e tenho que acordar cedo, o que me priva de preciosas horas de sono durante toda a semana. Qual a melhor solução? Dormir até mais tarde no sábado e no domingo, evidentemente. Porém, infelizmente, os candidatos de ambas as partes não permitem que eu e milhares de trabalhadores descansemos nos dois únicos ou, para quem trabalha no sábado, no único dia da semana disponível para dormir até mais tarde, e verdade seja dita: todos gostam de dormir até mais tarde. O que ninguém gosta – eu garanto – é de ser acordado às oito horas da manhã do sábado e do domingo, porque, como resultado, não será possível descansar para recomeçar a semana.

Mas, para a saúde do sono de milhares de trabalhadores, dia sete de outubro isso tudo acabará. Ou não.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Sábia decisão


Cinco, seis, sete... Há quantos anos foi o nosso último “até logo”? Sinceramente, não me lembro. Lembro-me, porém, que, depois desse último ‘até logo’, nunca mais te vi, nunca mais cruzei o meu olhar com o seu, e não me importava. O que rolou entre nós dois no passado ficou. Naquele dia, entretanto, por obra do acaso, eu estava parado na rua, apenas olhando as pessoas passarem e te vi passar. Meu coração, em verdade, bateu mais forte e mais intenso. Você estava linda e maravilhosa, mas estava de mãos dadas com um talvez namorado. E como você parecia feliz! Feliz de uma maneira que eu nunca havia visto. Senti uma pontada de inveja e de ciúmes por nunca ter feito-a tão feliz. Continuei parado, apenas olhando. Não me dei ao direito de meter-me na sua vida outra vez.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Amor próprio


Ainda que inconscientemente, Dírio era um apaixonado sem critério. Toda a paixão que acometia o rapaz seria excelente se não fosse uma paixão de cegar, dessas que deixam a pessoa boba, incapaz de raciocinar, anulando o cérebro e colocando o coração no comando. Como não poderia ser diferente, ao final da terceira ficada, pedia a pequena em namoro. Dírio era de um romantismo ímpar, sem dúvida. Mas, infelizmente, o romantismo não o salvara das ilusões e decepções.

Uma recente ex-namorada, a Renatinha, conseguiu mexer com os parafusos de Dírio até demais. O namoro começou bem, o problema mesmo foi o final. De início, o casal era apenas mimos. Dírio não se controlava e, com uma pontualidade sacrossanta, enviava chocolates e flores para a namorada todas as terças e sábados. Renatinha sentia-se especial, única, uma querida. Com certa vaidade, numa terça ou num sábado, Renatinha chamava uma amiga à sua casa para presenciar o infalível bouquet com chocolates. Assim que o carro da floricultura encostou ela cutucou a amiga:

– Olha! Olha! Eu não disse que vinha?! Não falha!
A amiga, com uma pontada de inveja, retorquia: – Que cosia mais chata um bouquet com chocolates. Das duas, uma: ou ele quer te ver gorda, ou ele é gay. Essa coisa de mandar flores só pode ser coisa de gay!

Como começaram a namorar depois da esmagadora onda das mensagens sms, não eram diferentes de outros casais e passavam o dia inteiro trocando sms com uma pertinácia incrível. Se num dia trocassem 100 mensagens, uma possível crise havia se instalado. Dírio já era doutor em enviar sms: enviava jantando, estudando, caminhando, pedalando. Diziam que ele podia enviar sms até dormindo – verdade ou não, não vem ao caso. Mas aconteceu o inevitável: no fim do terceiro mês de namoro, Renatinha já nao comia todos os chocolates, com medo de engordar, e as flores já não cabiam na sua casa, que mais parecia um jardim florido. A mãe da garota precisava, não raras vezes, queimar alguns bouquets por não haver mais espaço na casa. E a curiosidade instalou-se na garota. Renatinha chamou o namorado e, de imediato, perguntou-lhe:

– Dírio, que coisa é essa das flores?
Espantado, o rapaz pergunta, sem entender: – Como assim “essa coisa das flores?”. Você não gosta de flores? Todas as mulheres gostam de flores.
– Gostar eu até gosto, mas minha casa tem mais flores que velório de gente famosa. Desse jeito não da, meu filho.
– Se não gosta, eu posso parar de mandar.

Com o ardil de um ninja tecnológico, Dírio envia um sms para Renatinha, sem que a namorada percebesse: “se vc ñ qr mais, eu paro de mandar =p”. A namorada pede um minuto, pois queria conferir a mensagem que recebeu. Assim que lê, ela exaspera-se:

– Meu Deus! Essa coisa de mensagem também me irrita! Você não sabe usar a boca? Só fala com os dedos!
– Achei que você gostasse, meu amor. Você sempre responde...
– Respondia por pura educação. Ok, admito: no começo é até “legalzinho”, mas, com o tempo, isso enche! Você nunca me telefonou! Só manda mensagem! Não acredito em homem que só mande mensagem!
– Mas... – Renatinha interrompe.
– Sem “mas”. Eu quero terminar nosso namoro. Está chato e sem graça. Quero ser livre, Dírio!
– Mas... – Dírio estava choramingando – Mas eu te amo! Não termine!
– Ai, Dírio! Você me quer bem?
– É lógico!
– Então vamos terminar. Só vou ficar bem se terminarmos.

E Renatinha era irredutível. Dírio tentou com todas as forças convencer a ex-namorada de que cometia um erro, mas não conseguiu. Com o coração partido, Dírio jurou nunca mais amar outra mulher. Jurou, também, que não mais teria qualquer contato com Renatinha, a mulher que estraçalhou o seu coração. Em verdade, Dírio cumpria a promessa, mas a cumpria apenas durante o dia e quando estava sóbrio. Quando a noite chegava, o rapaz era tomado pela sensação de abandono, de rejeição, pela sensação de “ninguém gosta de mim” e fraquejava. Tentando contrariar a ex-namorada, arriscava uma ligação. Dírio gastava cerca de quinze minutos apenas olhando o nome de Renatinha na lista telefônica, criando coragem para apertar a tecla de discagem. Quando encontrava coragem – sabe-se lá de onde – colocava o celular na orelha e, a cada “tuuuu”, torcia para que a ex-namorada não atendesse, afinal, o que diria? E Renatinha, malandra sem saber que era, não atendia as ligações. Assim que a chamada caia, Dírio era tomada por uma estranha dupla sensação: alívio por ter ligado e feito a parte que lhe cabia, mas ainda mais triste por ter lhe sido negado um mísero “alô”.

O comentário da pequena cidade era que Dírio passou a beber por causa da ex-namorada, o que não passava de uma mentira. O rapaz já era iniciado no álcool. Com o fim do namoro, Dírio apenas aumentou a quantidade de álcool semanal e perdeu a vergonha de embriagar-se em público. Passou a ser um bêbado imoral, ressentido, machucado; um bêbado que bebia sozinho na mesa. Completado dois meses de solteirice forçada, Dírio estava mais pálido, a barba sempre por fazer e um olhar distante, como se tentasse, através das sólidas paredes de concreto, encontrar Renatinha.

Num domingo qualquer, Dírio inicia a cruzada alcoólica depois do almoço – diga-se de passagem que o rapaz havia criado uma resistência ao álcool digna de dar inveja ao boêmio mais antigo. Como não podia ser diferente, foi beber sozinho, na mesa do canto, encostada na parede, de onde podia ser ignorado por todos e, ao mesmo tempo, podia ver a rua. Já de noite, um amigo de Dírio passava pelo bar e viu o coitado na sua solidão de bêbado e decidiu fazer companhia para o amigo e, quem sabe, dar uns conselhos para que o rapaz melhorasse. Sem pedir licença, Ulisses, o amigo, juntou-se à mesa de Dírio e interrogou-o:

– Rapaz, você está sumido! Como você está?
– Não existo mais paro o mundo – Dírio fez a confissão. – Não está vendo como estou? Estou acabado.
– Ora essa! Pare de drama, Dírio! O pessoal está sentindo a sua falta.
– Morri para o mundo.
– Estão preocupados com você, rapaz!
– Não deveriam. Minha razão de existir era Renatinha e ela me deixou. Não me resta mais nada.
– Essa moça mexeu com você!
– Mexeu comigo?! – Dírio explodiu – Eu amava, ou melhor: ainda amo Renatinha! E Ela me deixou assim, do nada.
– Te ver nessa autoflagelação é de partir o coração!
– Não me fale em coração partido, por favor.
– Vamos para alguma festa, Dírio. Garanto que você vai encontrar uma mulher bem ajeitada e passar bem essa noite – o amigo falava com um tom conselheiro, mas cafajeste.

A conversa foi se desenrolando por mais de duas horas e Dírio parecia ser irredutível. Ulisses já perdia as esperanças e imaginava o amigo vivendo naquela tristeza para sempre e além da morte. Mas, entre um copo de cerveja e outro, mesmo sem perceber, Ulisses deu um palpite que mexeu com Dírio:

– Você poderia usar todo esse amor para ter amor próprio!

Dírio parou e pensou, como se tivesse os olhos abertos para a verdade. Abrindo um largo sorriso, respondeu:

– Mas é evidente, Ulisses! Eu preciso usar esse amor é comigo mesmo e não com a safada da Renatinha!
Radiante por ter tirado o amigo da fossa, Ulisses concordou: – Seu amor é só para você mesmo! Você precisa gostar de você mesmo!
– Isso, exatamente: gostar de mim! A partir de agora, eu gosto é de mim! Eu gosto de mim, Ulisses! Eu gosto é de mim!

Na mesa houve uma comemoração sem par. Os dois amigos se abraçavam e brindavam o “eu gosto de mim”. A vibração era comovente e um garçom juntou-se para comemorar a nova vida de Dírio, uma vida de amor próprio. Assim que se acalmaram um pouco, Dírio confessou:

– Ulisses, não sei como eu não havia pensado nisso antes! – Dírio falava com o ar da verdade momentânea do bêbado.
– Você estava mais preocupado com a própria degeneração, rapaz!
– Tanto faz. O importante é que, de agora em diante, eu gosto é de mim! É Tão óbvio: o amor do homem foi feito para que ele ame a si mesmo!
– Mas e a mulher? – Ulisses perguntou, incerto da afirmação de Dírio, afirmação que ele mesmo fez nascer.
– Para a mulher não sobra nada. A mulher é um depósito de espermatozoides. Quando nossos desejos mais primitivos tomam conta, precisamos da mulher. Mas é só para isso! Amor mesmo é amor próprio!
– Complicado! – Ulisses coçava a cabeça.
– Eu quero te agradecer, Ulisses, por ter me salvado! – Dírio levantou e deu um beijo na testa do amigo, em sinal de eterna gratidão.

Antes que pudesse sentar, um “TOC TOC” ensurdeceu o bar. O “TOC TOC” reinava soberano e, nem Dírio, nem Ulisses, sabiam do que se tratava. O barulho foi ficando mais audível e ambos concluíram, sem falar nada, que era um caminhar. Parecia, até, o trote de uma égua adestrada. O “TOC TOC” era forte e intenso, com batidas cronometradas. Dírio sentou-se na cadeira de plástico e olhou para a porta para conferir do que se tratava. O “TOC TOC” cruzou a porta do bar e era ela. Renatinha estava com saltos que faziam seu caminhar emitir um “TOC TOC” poderoso e excitante. Renatinha provavelmente, pelo horário e pela direção, saia da igreja, mas suas roupas não eram de alguém que estava na igreja, pedindo perdão pelos pecados: eram roupas de uma pecadora confessa e nata. O vestido preto, justo ao corpo, desenhava uma silhueta perfeita, com curvas feitas sob encomenda; as pernas, visíveis dez dedos acima do joelho, eram torneadas de maneira feminina, sem músculos definidos, mas eram pernas firmes e livres de qualquer pêlo. O “TOC TOC” e o vestido que dava contorno preciso à silhueta mexeram com toda a certeza que havia dentro de Dírio, que disse para o amigo:

– Ulisses, eu gosto de mim é o caralho! Eu gosto é dela!

E Dírio saiu da mesa, ainda sem pagar a conta, em direção ao seu amor perdido e, quiçá, doentio.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Espetáculo inenarrável


Acordou extasiado, nas nuvens, quase em outra dimensão. Manteve os olhos fechados por alguns minutos, na tentativa de voltar ao sonho que tivera. Não conseguiu e passou a relembrar do maravilhoso sonho. Era incrível a riqueza dos detalhes: – No sonho, passou a noite com a mulher que desejava, que amava. Teve a noite de amor mais verdadeira de sua vida e seria um pecado nefando chamar aquilo de sexo: era amor e apenas amor –. O relógio marcava dez horas da manhã de um sábado quando ele decidiu levantar e comer alguma coisa. Ao chegar à cozinha, estacou e esbugalhou os olhos. A mulher do sonho estava ali, preparando o café, apenas de calcinha e com uma de suas camisas sociais. A mulher era um espetáculo inenarrável. Não foi sonho.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Não desejo um mundo melhor


Sem cerimônia, confesso: eu não desejo um mundo melhor. Não perderei o meu tempo desejando o impossível do impossível. Os cretinos de plantão objetarão: “Nós devemos sempre desejar o impossível, o improvável” e eles não estão totalmente equivocados. O problema é não saber que essa manjada expressão, essa frase pronta, é uma metáfora, uma figura de linguagem, que tem por escopo dar-nos ânimo e perseverança para buscarmos aquilo que almejamos do fundo de coração, mas que é de difícil alcance, sendo quase impossível a realização do desejo. “Sempre desejar o impossível” não tem a ver com tentar cavar um buraco para chegar ao Japão utilizando uma pá.

Tentar construir um mundo melhor é, sem sombra de dúvida, tentar, em posse apenas de uma pá, cavar um buraco até o Japão. Qualquer projeto, qualquer objetivo, que dependa da participação e da dedicação de mais alguém, além de você mesmo, tem uma grande chance de dar errado, total ou parcialmente. Agora imagine algo que dependa da boa vontade de mais de 6 bilhões de pessoas, afinal, o mundo só pode ser um lugar melhor se todas as pessoas que nele residem trabalharem para o bem.  Aquele que acredita que tornará o mundo um lugar melhor é demasiadamente leviano. Grandes mentes tiveram contribuições inimagináveis para que as pessoas fossem um pouco melhor – seja de qual maneira for: enriquecendo a cultura alheia, traçando diretrizes de vida ou sendo exemplos – mas não conseguiram, e nem tentaram, que o mundo fosse melhor. Na verdade, até onde sei, grandes eruditos, como Newton, Adam Smith, Aristóteles, Einsten, Galileu Galilei, entre outros, passaram a maior parte de suas vias preocupados apenas com o próprio mundo, tentando resolver as equações que a vida lhes proporcionava, sem tentar que o mundo fosse melhor e, no entanto, deram contribuições infinitamente mais importante para a humanidade do que qualquer um que venda qualquer ideia para tornar o mundo um lugar melhor.

A única coisa que me parece viável, ante a nossa insignificância numa perspectiva mundial, é uma mudança no próprio indivíduo para que este – sendo muito otimista – torne o local que o rodeia melhor, e – sendo mais otimista ainda – que contagie outras pessoas para que façam o mesmo. Digo que é necessário ser muito otimista porque a mudança necessária para fazer-se melhor, e possivelmente fazer nascer em outra pessoa a vontade de também ser melhor, é cansativa, desgastante, por vezes frustrante, é traçada num caminho amargo e cruel, faz com que seja necessário abrir mão de coisas que são valiosas, não raras vezes exige que demos o braço a torcer, e acaba por tornar o sujeito mais chato e evitável. E eu desconheço alguém que venda ideias de um mundo melhor que tenha passado pelo caminho citado ou que realmente estava mais preocupado com o próximo – ou os mais de 6 bilhões de próximos – a ponto de lutar por um mundo melhor.

Inegável que há pessoas boas por natureza, que tentam fazer algo pelo próximo, mas inegável também que há pessoas preocupadas apenas com desejos egoísticos e mundanos e que, para a realização destes ignóbeis desejos, acabam por tornar o “mundo” – entre aspas pois não me refiro ao mundo em sentido global – um lugar pior e mais cruel. E tenham certeza de que más ações, intencionais ou não, têm mais poder e afetação por maior tempo do que boas ações. As más ações, de certa forma, são mais fáceis de serem atingidas: para que uma ação bem intencionada se concretize é necessária uma dedicação colossal em meio a um estado de coisas que a todo o momento conspira para que o projeto não se realize. E, caso seja realizado, só perdurará se outras pessoas estiverem dispostas a ter uma dedicação igual ou superior.

Mesmo com tanta dificuldade, eu acredito que valha a pena passar por tanta dificuldade na tentativa de transformar-se. A sensação de trabalho feito, de reconhecimento verdadeiro, de missão cumprida, faz com que esqueçamos as dificuldades passadas e apreciemos o gostinho da vitória com um prazer ímpar. E não importa de que tamanho a vitória seja, pois ainda que nos pareça uma vitória colossal, haverá pessoas dispostas a diminuir a conquista, menosprezando os méritos conquistados. Ignorar esse tipo de deboche é necessário e um pouco difícil. Para conseguir ignorá-los, é necessário sempre agir com sinceridade para poder olhar no fundo da alma, avaliar as atitudes e as ações, e ter a certeza de que o trabalho realizado foi, sim, de grande importância.