Desde criança – contava Arthur – aprendera a ignorar qualquer emoção. Era um homem sem sentimentos, nada o abalava. Não era para menos, cresceu numa família precária, onde viu de tudo: Irmãos drogados, tio pederasta, primos ladrões, o pai, que outrora foi um homem de virtudes inabaláveis, enlouqueceu e vivia na varanda de casa, eternamente, como se esperasse alguém. Quiçá o mais normal de sua família, Arthur aprendeu a ver e não sentir; a sentir e reprimir; a reprimir e esquecer.
Não parece possível e viável um ser humano sem sentimentos, ser nossa razão de ser. Mas a vida conseguiu criar um. Certa vez, Arthur contava para seu único e, talvez o único possível amigo, sobre a ocasião que decidiu amar. Tentou amar mulheres, familiares e, até, um amigo canino. Os familiares eram como estranhos. Havia mais intimidade com o mendigo da rua do que com a mãe ou os irmãos. Não se ama alguém sem intimidade; Mas encontrara uma bela pequena, dessas que se ama só de passar os olhos. E Arthur por ela se encantou. Tratou de conhecer a moça e fazer uma espécie de pesquisa sobre a vida da pequena. Boa índole, concluiu Arthur. Decidiu namorar e, mais importante, decidiu amar a moça.
Não é possível negar que realmente estava feliz, sentia-se feliz. A namorada de Arthur não era um exemplo de namorada, mas o fazia feliz, o que, para ele, já era o suficiente. Pela primeira vez sentia felicidade, concluiu Arthur. Com seis meses de namoro, a paixão do rapaz havia se tornado amor e a pequena dizia-lhe o mesmo.
Dois meses após a paixão tornar-se amor, Arthur estava voltando para casa depois de um exaustivo dia de trabalho, daqueles que você imagina ter trabalhado uma semana ininterrupta, e decide passar pelo bar de um colega para tomar uma cerveja e assistir o restante do jogo de futebol. Depois do dia trabalho que parecia uma semana, Arthur se achava digno de uma cerveja com futebol, e tinha a certeza de que sua namorada compreenderia o atraso. Cerveja tomada, jogo assistido, hora de voltar para casa.
Na volta, faz um caminho diferente, um pouco mais longo, para passar pelo parque e admirar o efeito que a lua cheia pode dar a qualquer lugar. Caminhava silencioso quando algo lhe chamou a atenção. Não acreditava naquilo que seus olhos lhe mostravam. Viu sua namorada sentada num banco com outro. Outro rapaz, daquele estilo conquistador barato, com roupas que não estavam quitadas e que, talvez, nunca seriam. Arthur estaca no chão e sente vontade de chorar, gritar, bater, vontade de matar. Mas apenas respira fundo e vai para casa da namorada. Dentro da casa, escreve um bilhete e o deixa em cima da escrivaninha. Foi o que conseguiu fazer.
Uma semana depois do triste evento, Arthur está no trabalho quando é chamado à sala do chefe. Entra de maneira educada, como sempre fizera. Na sala, o boss começa a explicar a Arthur que a empresa passa por um momento de dificuldades e que precisará fazer cortes no quadro de empregados. Infelizmente, Arthur é um dos cortados da empresa. Eram sete horas da noite e Arthur decide ir ao bar beber, afinal, nada sentira com a demissão.
Um pouco embriagado, Arthur volta para casa. Ao chegar, vê na caixa de correio algumas contas. Apanha as contas e vai para o quarto. Rapidamente, analisa as contas e deita-se na cama. Mais relaxado, Arthur começa a lembrar de toda vida que viveu, e a que deixou de viver. Lembrou-se do seu lar destruído, dos amigos que lhe traíram, lembrou-se que não confiava mais nas pessoas, da namorada, a mulher que amou, e que lhe traiu, recordou-se do emprego perdido e das contas para pagar; que já não possuía motivos para viver e que, talvez, nunca havia possuído.
Calmo, Arthur levantou, foi até o guarda roupas e, no fundo de uma gaveta, pegou seu revólver. Municiou o 38 e sentou-se na cama. Com o revólver carregado, Arthur o coloca na boca e mais uma vez lembra-se de tudo que viveu. Puxa o cão do revólver e... Rompe-se em lágrimas, cai num pranto que parecia eterno. Continua a chorar como se fosse uma criança. Chora como se não houvesse mais amanhã. Com tanto choro, Arthur se cansa e adormece sem perceber.
Ao acordar, Arthur sentiu como se tantos anos sem sentimentos, tantos anos sem lágrimas, o tivessem feito carregar um pesado fardo. Levantou da cama, abriu a janela e viu um dia razoavelmente bonito. Respirou fundo e disse para si mesmo: - Estou pronto para recomeçar.