domingo, 26 de setembro de 2010

Quanto vale um princípio?

Estava recordando dos tempos de criança, das peças de teatro que apresentávamos na escola. As professoras diziam-me que eu possuía algum talento. Eu não sabia ao certo o que estava fazendo, mas gostava de decorar alguns textos e apresentá-los a pais que estavam babando pelos filhos. Não sei se aquilo era talento, mas como diziam que eu fazia bem, continuei fazendo. Apesar de gostar da representação, nunca pensei em ser ator. Gostava, mas acredito que não me sentiria realizado se fosse um ator, apesar de admirar o trabalho. Se fosse o escritor, tudo bem. Mas que criança sonha em ser escritora? Eu deveria ter sonhado.

Cresci algo em torno de quatro ou cinco anos depois das peças de teatro da escola. Fui um típico adolescente idiota, precisava ficar revoltado com alguma coisa. Palhaço! Bom, àquela época eu não sabia que dava pra ser adolescente e pensar normalmente. Fui tão idiota que não estudava mais. Pra que estudar? Kurt Cobain foi o que foi sem estudar! (Sim, ele era meu ídolo e ainda ouço suas músicas. Pra ser sincero, ainda é minha banda favorita). Nem sei como consegui terminar o ensino médio. (Mas o que lamento de verdade é não ter sido um discípulo da Dona Cecília, uma das mulheres que mais conhecia a língua portuguesa. Era até grosseira, às vezes, na aula. Chamava-me de palhaço. Mas fora da sala de aula, era outra pessoa. Ainda me lembro de suas “patadas”, das suas provas do livro... Como eu queria ter aprendido metade do que ela sabia! O típico adolescente não deveria existir.).

Entretanto, consegui terminar o ensino médio. Então veio a faculdade. Desde que representava personagens na escola, eu dizia que gostaria de estudar Direito. Ou melhor, dizia que queria fazer Direito. E fui fazer o Direito. Após a primeira semana de aula, conclui: Escolhi o curso certo! Constatei que realmente o curso era minha cara. As discussões, as opiniões, o conhecimento que parecia infinito de cada professor! Na primeira aula de Ciências Políticas (mesmas coisa que TGE), lembro do professor Raimundo dos Anjos – acho que seu sobrenome é dos Anjos – perguntando aos alunos o que cada um almejava ser. Chegou a minha vez e respondi aquilo que dizia desde que representava peças teatrais. Foi mais ou menos assim: “Meu nome é Marco Aurélio. Sou de Mirante do Paranapanema. E pretendo ser Promotor.”. Sim. Ser Promotor de Justiça era o que eu desejava, pois achava que o Promotor era a encarnação da Justiça. Eu assistia em filmes o promotor defendendo teses e tentando colocar os bandidos na cadeia. Ficava deslumbrado com a Justiça falando.

O tempo passou e eu desejava cada vez mais ser um Promotor de Justiça e colocar todos os bandidos atrás das grades. Comecei a estudar cada vez mais, nunca estudei tanto. Estudava mais ainda na sala de audiência do Juizado Especial de Mirante, onde fiz estágio por mais de um ano – eu sou muito grato aos funcionários do JEC/JECRIM, afinal, eles me ensinaram muito do que sei – me sentia à vontade naquele lugar, pois lá havia uma mesa bem grande e uma jarra de café disponíveis das 09 horas da manhã às 05 da tarde. Lia muita coisa naquela sala, até que comecei a ler sobre a advocacia. A verdade é que nunca quis ser advogado, ser um profissional mal visto e que ganha mal. Curiosamente, eu achava lindo ficar até tarde no escritório tentando solucionar um caso. Achava maravilhoso ficar sem sono pensando na solução de um problema jurídico. E café eu sempre bebi muito.

 Com o tempo, passei a ver o Ministério Público com outros olhos. Hoje o Promotor de Justiça já não me parece mais a encarnação da Justiça, esta se encarnou noutro profissional: O advogado. Não sei como explicar, mas o Promotor me parece alguém preso às leis, preso ao seu local de trabalho. Já o advogado é mais livre, usa a lei para criar mais leis quando faz uma interpretação dela que ninguém fez. Ele pode filosofar a lei... É bem isso que ele faz. Sim, o advogado é o filósofo da lei. Ele sai do seu escritório e vai atrás das provas. Parece-me mais emocionante do que a vida de um pobre Promotor de Justiça. Pobre de profissão, afinal, seu salário é ótimo e o salário de um Promotor também me fazia querer ser um pobre Promotor. Hoje, com 19 anos e um salário (antes eu não tinha), sei que este não é tudo, ele paga suas contas, permite que você compre sua comida, roupas, lazer, mas não é tudo, se é que isso faz sentido.

Volto ao primeiro parágrafo, onde falei que minhas professoras diziam que eu possuía algum talento representando, pois compreendi o motivo de não querer ser ator. Este representa papéis escritos por outras pessoas. É fácil demais. O advogado deve ser como um ator, afinal, ele têm um roteiro, falas, vestimentas e gestos a seguir. A cada audiência, a cada cliente novo, em cada situação diferente, ele deve ser um novo personagem. E o melhor: O advogado pode escrever sua própria peça, pode escrever suas próprias falas e o roteiro a ser seguido: O Advogado é o escritor de si mesmo.

Como meu desejo é advogar, acreditar que o salário não é tudo soa como uma das atitudes mais inteligentes possíveis. Não que o advogado ganhe mal como eu pensava, afinal, há advogados com vencimentos de fazer inveja aos pobres Promotores de Justiça. O fato é a maneira como me formei dentro da sala do Juizado, lendo livros que me davam tapas na cara. Dentro daquela sala eu comecei a formar meu caráter, isso, meu caráter. E o que o caráter que eu formei tem a ver com não ganhar muito dinheiro advogando? Vejo os dois intimamente ligados, até de mãos dadas. A verdade, nua e crua, é que o advogado, diversas vezes, se quiser ganhar dinheiro, deverá vender todos seus princípios, sua moral e sua formação pelo preço dos honorários. A desmoralização desta nobre profissão começa na venda de princípios. Deve ser por isto que na Roma antiga os advogados não podiam cobrar por seu trabalho. Advogava-se por prazer, por vocação, pelo amor à Justiça, não pelo dinheiro. Se não é possível advogar por dinheiro, não é possível vender os princípios. É lindo, mas os tempos são outros, meu caro. (Os tempos são outros. Contudo eu sempre gostei dos tempos passados, sinto nostalgia por épocas que nem cheguei a viver. Porém, não vai adiantar me procurar, depois que eu for advogado, pra eu advogar sem cobrar. Sim, vou cobrar, mas não venderei meus princípios e minha moral).