quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A mudança

Há algum tempo, fui a Maringá, no Paraná, (para um jovem de Mirante do Paranapanema, Maringá é quase uma metrópole) ajudar meu tio Junior com sua mudança. Depois de muito pensar, meu tio resolveu parar com o aluguel e encarar o sonho de todo brasileiro: A Casa Própria. Para ir para nova casa, por óbvio, ele precisaria fazer a mudança. Tirar sues pertences do sexto andar do apartamento onde morava para levar até sua nova casa, a Casa Própria. Como sempre gostei de Maringá, ofereci-me para ajudar na mudança. Assim, veria sua nova casa e cumprimentaria novamente uma velha amiga: A noite maringaense.

Em pleno sábado, sou acordado às 8:00 horas da manhã para começar a empacotar e encaixotar tudo. Ainda bem que havia elevador no apartamento. Mas os sofás e as camas não entravam no elevador, que maravilha! A mudança durou até o fim do dia. Ora eu estava rolando um sofá pelas escadas, ora levava um infinito de caixas pesadas pelo elevador. Por sorte, nunca fui um sujeito de muitas vergonhas, tenho menos vergonha ainda de trabalhar. Digo isso pois enquanto rolávamos sofás, camas, fogões, mesas, caixas e afins pelas escada ou pelo elevador, as maringaenses desfilavam com sua beleza universitária pelo prédio, pelas escadas e, quando podiam e conseguiam, pelo elevador. Enquanto elas desfilavam quase que dizendo: “Pode admirar, seu caipira do interior”, eu fazia força, vestindo uma camiseta do Nirvana e um chapéu de cowboy que encontrei no meio da mudança, e, é claro, carregando um sofá.

Chegou a hora do almoço. Metade das coisas já haviam sido retiradas do apartamento e levadas para frente do bloco que meu tio morava. O estômago roncava, torcia e retorcia, eu quase podia ouvi-lo pedindo comida, muita comida. Eis que surge meu tio segurando o prato preferido do brasileiro: O Marmitex! Por sorte, a mesa já havia sido retirada do apartamento e levada para frente do bloco. Improvisei uma cadeira e, armado com garfo e faca de plástico, eu devorava aquele inocente marmitex como um leão devora sua presa. Enquanto eu liquidava meu marmitex, adivinhem: As maringaenses continuavam a desfilar com seus cabelos que valiam mais que meu 13º. Por algum momento, eu suspeitava que elas me desprezavam: “Quem é esse fã do Nirvana que usa chapéu? Será que ele só está trabalhando de peão e fazendo a mudança ou vai me roubar? Acho melhor eu acelerar o passo!”

Pois bem, no fim do dia a mudança era finda. Ou melhor, parte dela. Agora faltava carregar as coisas para dentro do caminhão azul que sempre esteve parado de frente ao apartamento. Pergunto-me se o dono do caminhão não comprou seu veículo apenas para fazer a mudança do meu tio e a aguardou pacientemente, insistentemente. Enquanto carregávamos o caminhão, era incrível, mais maringaenses de cabelo de 13º apareceram. E mais: Pararam na calçada do prédio e lá ficaram conversando, ou nos observando, vai saber. Mas lá continuaram. Caminhão carregado (depois de muito esforço) é hora de irmos levar tudo para casa própria do meu tio. Éramos quatro pessoas, um caminhão carregado de mudança e uma moto. E agora? Pois é, eu fui de moto. Confesso que nunca havia andado de moto numa cidade grande, porém não tinha medo. Pego a chave da moto do Baré, seu capacete e calço um tênis. Coloco o capacete e subo na moto como se ela fosse meu cavalo partindo para uma grande batalha. Ligo meu cavalo, digo, ligo a moto e vou à frente do caminhão. Sim, eu era o único dos quatro que sabia o caminho e parto como guia. A cada ultrapassagem, me sinto um americano velho e barbudo que anda de moto pelas estradas do Tio San. Eu era o dono do comboio que me seguia. Até que chegamos à casa própria do meu tio.

E uma nova etapa da mudança se inicia: Descarregar o caminhão carregado e levar tudo para dentro da casa. Confesso já estar um tanto sem energias para continuar a mudança. Mas a mudança não pode parar! As maringaenses, pelo visto, cansaram de nos observar ou de desprezar-nos; já não estavam lá. Caixa desce do caminhão. Cama desce do caminhão. Fogão desce do caminhão. O caminhão parecia uma fábrica de eletrodomésticos que vomitava. Dei graças a Deus por ser uma casa sem escadas. Eu seria capaz de brigar com uma escada. Mas a nova casa do meu tio até que possui um vantajoso quintal, e tínhamos que percorre-lo para levar seus pertences. Levar os pertences foi até moleza. O saco maior foi ter de montá-los e coloca-los dentro da casa sem estragá-los.

Ao fim de toda mudança, estou esticado no sofá da sala bebendo uma merecida cerveja gelada. Começo a repassar todo o dia e lembro de todo o esforço que fiz. Lembrei das maringaenses de cabelo de 13º que me desprezaram. Lembrei de todo aquele trabalho braçal e cheguei à seguinte conclusão: Vou estudar mais.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

E, então, eu tive nome

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Já repeti inúmeras vezes e repito uma vez mais: Eu fui um adolescente idiota! Sem escrúpulos, afirmo que não deveria haver adolescentes com as mesmas atitudes que as minhas. Não, não fui um traficante de drogas. Mas não dava a mínima para os estudos, não lia; não refletia. Isso já é o bastante para ser um idiota. Um idiota útil, diria. Pois bem, o tempo passou-se e, com o esforço do brasileiro, fui aprovado no curso de Direito.

Confesso que, súbito, senti uma tremenda vontade de estudar e aprender o Direito. E foi o que fiz! Estudava bastante, muito, mesmo. E estudava na sala de audiências do Juizado Especial de Mirante, onde fiz estágio por mais de um ano. Voltemos um pouco no tempo: Antes mesmo de iniciar o primeiro dia de aula, tive a certeza de que deveria conseguir um estágio. Fui investigar algum estágio. Meu avô, com sua destreza de septuagenário, conversou com um de seus amigos, o Ronaldo Queiroz, que à época era – enquanto escrevo, ainda é, mas vai saber em que data você está lendo – Diretor de Serviço do Juizado. Consegui o estágio. Também o consegui por ter de cumprir 24 horas de serviços comunitários para a prefeitura para ter 50% de desconto na mensalidade da faculdade. Mas, enfim.

Como já disse, comecei tímido, como um garoto nu no pátio da escola. Ficava sentado numa cadeira esperando, ansiosamente, que alguém desse uma tarefa para eu cumprir. Com o tempo, e com a irreverência dos colegas de trabalho (Giselda, Serginho, Layla, Ronaldo e Thiago) fui me sentindo mais à vontade. Esforcei-me de verdade a cada dia para realizar melhor as tarefas. Até que um dia tive boa idéia: Levar meus livros e estudar na sala de audiências. Comecei de pouco em pouco. Ainda não havia adquirido o hábito da leitura. Ler era penoso, uma atividade que requeria mais esforço que um treino de Jiu-Jitsu. Contudo, obriguei-me a ler e a estudar. Eu decidi que deveria estudar. Passaram-se algumas semanas e eu já conseguia passar três horas seguidas, lendo sem parar, sem respirar ou piscar.

Por vários meses continuei minha investida no estudo pesado. Havia dias, principalmente durante a semana de provas, que eu só saia da sala de audiências para respirar um pouquinho. Ficava solitário naquela sala, com uma mesa enorme e café à vontade. Bom, não estava tão só. Afinal, alguns me observavam, sim. Quando não estava estudando, lembro da Layla me ensinando a cumprir os processos. Intimar daqui, citar de lá... Até que eu sou, ou era, ou continuo sendo, bom em cumprir processos. Conseguia fazer pilhas de processos parados desaparecerem em horas. E me sentia bem por estar ajudando os que me ajudavam.

Foi no dia em que o Lincoln apareceu no cartório para conversar com o Ronaldo sobre a possibilidade dele também ser estagiário do Juizado pela prefeitura. Eu estava no computador do Serginho cumprindo os processos, quando, súbito, ouço o Ronaldo dizer: “... o Marco, por exemplo, ele já faz trabalho de escrevente, mesmo!” Aquilo vez com que o canto do meu lábio se erguesse numa satisfação sem par. Meu trabalho era reconhecido. Alguém o observara. Ouvir aquelas palavras foi melhor do que ganhar um salário pelo trabalho. Foi, sim.

 Mas o tempo passou e chegou a minha hora de deixar o Juizado. Eu havia conseguido a vaga para trabalhar como Escrevente do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Mirante do Paranapanema. Ahhh, como eu estava feliz. Colhia frutos pelo meu esforço. Tive a certeza de que valeu a pena ter ficado trancado na sala de audiência estudando igual louco. Estudando num dia normal como se fosse a prova final, o Exame da OAB. Sim, valeu a pena!  Minha hora chegou e deixei o juizado, triste de deixar aquele lugar, porém contente em receber um salário a partir do mês seguinte. (O dinheiro compra até o amor verdadeiro, dizia Nelson Rodrigues).

Pois bem, já não estava mais no Juizado. Agora eu trabalhava – e ainda trabalho – como escrevente do RI. Sentia, e ainda sinto, saudades dos velhos tempo de Juizado. Mas eram dias de Copa do Mundo. O Brasil estava, mais do que nunca, desacreditado. Com jogadores fantásticos, nosso querido Dunga resolveu levar uma cambada de pernas-de-pau, com exceção de um ou outro. Resolvi assistir os jogos na casa do meu avô septuagenário. Seus amigos velhos também iriam, e eu adoro conversar com gente velha. Não me lembro a qual jogo assistíamos, mas me lembro que bebemos muita cerveja.

O jogo terminou e duas ou três horas depois ainda bebíamos cerveja. Era como se o freezer, por um milagre, criasse garrafas geladas. Lembro-me bem que o Ronaldo Queiroz ainda foi buscar uma peça de cupim para comermos. Lembro-me até do gosto! Pois bem, conversa vai, conversa vem. Quando alguém toma a quantidade de cerveja que já havíamos tomado, acredite: Se conversa de tudo, tudo. Depois de muita conversa jogada fora, não me lembro por qual motivo, o assunto da conversa foi o Marco Aurélio. Sim, eu.

Lembro-me, lembro-me, sim! Foi porque meu avô buscou uma carta que eu havia enviado a ele. Eu mesmo coloquei a carta na caixa de correios dele. No envelope estava escrito: “Prestação de contas. Será que o investimento está dando resultado?” Dentro do envelope, havia a relação das minhas notas do 3º Termo do curso de Direito. Meu avô exibia para seus amigos, sem modéstia alguma, as notas que seu neto havia conseguido. Lembro-me, inclusive, de ver uma lágrima rolando de seus olhos enquanto ele falava. Mais uma vez, todo meu esforço tinha valido a pena. Uma vez mais! Confesso que me deleitava com a reação dos amigos de meu avô ao verem minhas notas.

Foi quando o Ronaldo Queiroz começou a falar dos tempos que eu fiz estágio com ele. Numa investida ele disse: “Eram cinco horas de estudo por dia! Duas pela manhã e três durante a tarde!” Falou muitas coisas, inclusive uma engraçada: “Tenho certeza, Marquinho ainda será o Presidente do Brasil!” Todos riram, inclusive eu. Não quero ser presidente do Brasil, Ronaldo (risos). Coisas bonitas foram ditas e só fizeram meu desejo de estudar aumentar. Mas nenhuma delas, nada do que foi dito, foi tão marcante naquele dia de Jogo do Brasil e Boemia quanto as palavras que o Queiroz disse depois. As palavras ditas por ele, sim, com toda a certeza, fizeram eu sentir que vale a pena ser um otário e se dedicar à vida intelectual. Entre um copo de cerveja e uma beliscada no cupim, Ronaldo disse: “Olha, rapaz, você entrou no Juizado como o neto do Seu Chicão. Mas saiu de lá como o Marco Aurélio!”.