segunda-feira, 11 de junho de 2012

Marche!


Lembro-me de uma conversa que tive com um jovem de 28 anos. Numa mesa de bar, movidos à cerveja, ele começou a fazer algumas confissões. Sua história é tão boa que a contarei em primeira pessoa, como se minha fosse.

Lá vai a conversa: Sou um preguiçoso e devo admitir! Quantas e quantas vezes já me peguei deitado no sofá apenas passando os canais da TV sem mesmo estar assistindo?! Não importava assistir, e, sim, ficar deitado, estático, sem movimentos. Talvez eu tenha escolhido o curso de Direito também por preguiça. O máximo a se fazer é sentar na cadeira e ficar de olho num livro, passando cada letra, mexendo apenas os olhos. Gostei de ser preguiçoso e estava conformado em o ser.

Passado algum tempo de preguiça praticada, passei a me deparar com pessoas ativas e sem preguiça. Às vezes elas apreciam na televisão, vez por outra, estavam nos jornais. Confesso que senti inveja e me senti um inútil. Um inútil que ficava, a maioria do tempo parado, estático, ou, no máximo, passando os olhos em letras, mas sentado, é claro. Como eu poderia ficar parado enquanto milhares de pessoas marchavam em busca de direitos e de justiça social, como eles mesmo gostam de chamar? Não era justo e eu deveria mudar de atitude!

Pois bem, larguei tudo e fui para a capital. Primeiramente, por óbvio, eu precisava pisar na Avenida Paulista, sentir ela sob meus pés. Confesso que cheguei a dar um beijinho na danada! Aquela Avenida era o palco das pessoas que marchavam e eu só poderia fazer a diferença se ali estivesse. A vida de sedentarismo havia acabado e eu iria contribuir para um mundo melhor! Minha mãe sentiria orgulho de mim, as pessoas me adorariam e eu teria mulheres aos montes! Teria, sim! Eu havia estudado as marchas e havia percebido que os homens mais descolados e inteligentes ficavam com as gatas das marchas!

Numa rua paralela à Paulista, encontrei um lugar para morar. Era barato e perto do Palco de Marchas e Manifestações. Eu já havia pensado em tudo: Durante a maior parte do tempo, frequentaria os mesmo bares que os manifestantes, para pegar uma amizade com a galera. E do meu quartinho, eu poderia passar o dia no facebook à procura de alguma Marcha ou manifestação. Ao menor sinal de uma delas, eu já preparava meus cartazes com frases fortes e marcantes. Minha barba já estava premeditadamente por fazer: assim teria um ar de jovem que estuda demais e não têm tempo sequer para tirar uns poucos pelos da cara.

Modéstia à parte, devo admitir que me tornei o melhor em marchar! Fique tão bom que, depois de certo tempo, eu nem precisava saber qual era o tema da manifestação para conseguir e me sair bem. Eu conseguia ser o mais ativo dos manifestantes. Gritava palavras de ordem, pedia liberdade para todos, e tinha várias gatinhas se derretendo pelo meu ar de revolucionário. Porém, acho que o episódio que me consagrou foi o dia em que eu fui preso. Mas fui esperto: Provoquei os policiais sem que ninguém percebesse. Irritei para valer. Quando a imprensa chegou, apenas acendi o pavio e eles vieram como loucos. Resisti, por óbvio. Fui arrastado, chutado e preso. Contudo, no dia seguinte, a glória era evidente, eu estava estampado em cada capa de jornal como alguém que lutava por um mundo melhor mesmo que a polícia fascista não quisesse!

Como aquele tempo foi louco! Porém, depois de alguns anos engajado nas Marchas, eu me dei conta que, realmente, apenas marchava. Eu seguia o bando na direção que fosse, sem pensar em nada, sem saber qual o motivo de seguir; apenas seguia. Marchar era a melhor definição para aquilo tudo. Porém, foi quando voltei para minha casa no interior – aquela onde eu era apenas preguiça – que me dei conta e o óbvio ululou à minha frente. Entrei no meu antigo quartinho de estudos onde eu apenas sentava e passava os olhos nos livros. Peguei um dos meus antigos livros e tentei ler; mas o diabo é que eu não conseguia ler. Parecia que eu havia esquecido como se fazia. Eu não acreditava! Sentei-me na cadeira e tentei estudar por alguns minutinhos, mas também não consegui. Eu ficava inquieto na cadeira, ver um monte de letras me causava agonia. Uma voz sussurrou para mim: “Isso é perda de tempo. Vá marchar!”.

Sentado na cadeira tentando entender o que havia acontecido comigo, olhei um livro com a foto de John Locke e me perguntei se Locke havia marchado ou estudado. Mais alguns livros e vi Aristóteles, numa posição que parecia não fazer nada, apenas pensar. Era tão evidente que eu não consegui enxergar: Os maiores homens da história contribuíram mais para a humanidade preocupando-se mais consigo mesmo – com o aperfeiçoamento intelectual, diria eu – do que marchando e reivindicando.

Fui uma grande e enorme besta, Marco. Concluiu o rapaz.