Eu sempre a
desejei. Educação à parte, eu a devorava com os olhos toda vez que a via.
Talvez ela não possuísse os padrões de beleza que fizessem todos enxergarem a
perfeição que eu via, sentia, e queria. Mas, naquela mulher, tudo estava em
perfeita harmonia, não sendo preciso acrescentar ou retirar qualquer detalhe.
Aos olhos do poeta, ela era uma espécie de Deusa. E eu a conquistei. Éramos
dois apaixonados inconfessos, mas sem o primeiro beijo, sem o beijo que nos uniria,
afinal, o entrelace das línguas sela a união. Numa noite qualquer, sentamos na
calçada da casa dela. Fiz uma investida e avancei para beija-la. Mão trêmula,
coração à beira de um infarto, respiração quase ofegante. Minha boca estava a
menos de cinco centímetros da boca mais bem desenhada, mais perfeita, mais
desejável de que se teve notícias. Menos de um segundo separava nós dois de
sermos apenas um, unidos pelo beijo apaixonado. Aquele segundo durou décadas,
séculos, mas passou. Carinhosamente, a segurei por trás da cabeça, pelos
cabelos, e a beijei. Fui aos céus e voltei.
Um pequeno canto de leituras, com crônicas, contos, "contos de um parágrafo só" e artigos de opinião de um ainda jovem escritor. Nas crônicas retrato um episódio do meu cotidiano que chamou minha atenção; os contos refletem a vida, em sua face mais real, e, por vezes, trágica; talvez um novo gênero literário, os "contos de um parágrafo só" mostram a visão do amor, da paixão. Verba volant, scripta manent.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
sábado, 25 de agosto de 2012
Somos um só
Casaram-se depois de três anos de namoro. A festa foi
simples, na casa do casal, com alguns convidados íntimos. Graça, como não podia
ser diferente, queria uma festa cheia de pompa, decorações de fazer os olhos
delirarem, Buffet caro e muitas lembrançinhas. O Paiva, um
homem que controlava as finanças no casal com obtusa pertinácia, preferiu
poupar parte do dinheiro da festa para comprar um carro ou, quem sabe, fazer
algum acabamento na casa. Independente da
festa escolhida, era inegável a felicidade do casal, dois apaixonados
confessos. Há quem diga que se casaram muito cedo. – “Com três anos de namoro
você não conhece sequer o passado da noiva!” – comentava a maledicência alheia.
O fato desconhecido por muitos era que o casal já se conhecia há, pelo menos,
meia década. Passaram alguns anos no anonimato, longe dos comentários das
vizinhas gordas.
Dois anos após a simples festinha de casamento, os
dois ainda viviam em lua de mel e, talvez, ela estivesse mais viva do que
nunca. Paiva conservava alguns caprichos de namorado arcaico, o que fazia Graça
perder-se de alegria e, inegavelmente, os caprichos do marido massageavam o ego
da jovem esposa. No salão, em meio às fofocas inerentes ao local, Graça
dispara:
– Marido igual ao meu não há! E duvido!
– Bobagem. Isso é só no começo. – retrucava uma
senhora de aparência sofrida que fazia as unhas
– Fala isso por não conhecer o meu Paiva. Ele ainda
me enche de mimos, como se fossemos namorados.
– Então aproveite bem. Logo isso passa e você vai
acabar como nós: contente em cuidar da casa.
– Isola! – E deu três “soquinhos” na madeira.
E Paiva orgulhava-se dos caprichos que ainda
mantinha. Pensava que o cavalheirismo não poderia, em hipótese alguma,
desaparecer. Numa quinta-feira, depois do trabalho, decide chegar em casa mais
tarde: foi com os colegas do trabalho ao bar beber e conversar. Após uma ou uma
hora e meia de bar, o Mesquita pergunta:
– E então, Paiva, como anda o casamento? Já se
arrependeu? – Dá aquela gargalhada enquanto cutuca os outros presentes na mesa,
como num convite para também rirem.
– De maneira alguma. Tenho certeza de que tomei a
decisão correta.
– Alegria de início, rapaz! Eu também era assim, mas
logo isso passa.
– Sei não, Mesquita.
– Escuta, rapaz. Você ainda está maravilhado com a
magia do casamento e isso é bom, maravilhoso! Mas isso passa! Depois de acordar
de manhã vendo a mesma cara do outro lado da cama, você enjoa.
– Mas Graça é linda. Me diga: como enjoar de um rosto
lindo?
– A beleza só pode ser apreciada por um curto período.
Depois de algum tempo, a pessoa linda parece normal, como se a beleza dela
tivesse acabado.
– Até que faz sentido... – Paiva confessou com cera
tristeza.
– Diga a verdade: você já nem acha sua esposa tão
linda assim, não é mesmo?
– Acho que um marido não deve responder esse tipo de
pergunta.
– Pois pense sobre – O Mesquita aconselhou.
– Pensarei. Mas preciso ir. Alguém pode me dar uma
carona?
– Carona?? – Mesquita assustou-se – não veio de
carro?
– Não tenho carro – confessou.
– Ora essa, homem sem carro não é homem! Não acredito
em homem que não tenha carro!
– Estou economizando para comprar um – Paiva disse
meio acanhado.
– Pois não demore! Vamos, eu te levo.
Verdade seja dita. Paiva jamais ligara para o fato de
não ter um carro e não se preocupava em ter um tão cedo, pensava haverem coisas
mais importantes para ter antes de um carro. Mas as palavras do Mesquita
corromperam Paiva, e não há nada mais forte, mais insistente, mais difícil de
deixar de lado, do que uma ideia. “Homem sem carro não é homem!”. Estas
palavras martelaram a mente do Paiva por algumas semanas.
Numa noite qualquer, o casal jantava, mas Paiva
parecia estar presente apenas de corpo, seu olhar era longínquo, como se
pensasse em algo o tempo todo. Tomada de curiosidade e de preocupação, Graça
pergunta:
– Amor, o que
há com você?
Parecendo que voltava de um transe, Paiva responde –
Oi? A, sim. Estou pensando em comprar um carro.
– Um carro? Seria maravilhoso, mas você acha que
podemos?
– Se podemos eu não sei, mas sei que devo comprar um
carro!
– Posso ajudar a escolher? – Graça pergunta radiante.
– De jeito nenhum! Carro é coisa para homem. Homem,
entendeu?
– Quanto machismo, meu amor. Mulher também entende de
carros, ora essa!
– Claro que entende. As mulheres entendem de carro tanto
quanto um homem entende de bijuterias.
– Mas há homens que entendem de bijuterias.
– Eles não são bem homens, se é que me entende.
– Não importa. Eu quero ir junto com você, afinal,
somos casados!
– Vou com o Mesquita. Ele, sim, entende de carros.
– Você se casou com o Mesquita?
– Não amola. Eu não dou palpite na tinta de cabelo
que você vai comprar ou com quem vai comprar. E fim de papo. Já está decidido.
E, de fato, Paiva não levou a esposa para escolher o
carro. Combinou com o Mesquita de irem à concessionária escolher o veículo. Às
oito horas da manhã Mesquita buzina em frente ao portão da casa de Paiva. Este
sai com pressa e extasiado. Enfia-se no carro de Mesquita e diz:
– Vamos? Estou muito ansioso! – Dizia sem conseguir
esconder o sorriso de alegria
– É pra já, meu caro!
Enquanto não chegavam à concessionária, Paiva ia
dizendo:
– Acredita que minha mulher queria ir?
– Ixii, começou a se meter onde não devia.
– Foi o que eu disse para ela. Mulher chata!
– Não liga para esse tipo de coisa. Vocês terão
motivos mais interessantes para brigar. – e dá uma gargalhada, daquelas
cutucando o colega.
Na primeira
concessionária que entram, Paiva se encanta por um carro. Parecia que um
completava o outro. Paiva não tem dúvidas e compra a máquina. A verdade é que
Paiva não possuía todo o dinheiro para comprar o carro, mas, no dia anterior,
passou numa financeira e adquiriu cerca de R$ 100.000,00. Empréstimo feito,
leva sua máquina para casa. No caminho, vai sozinho, aproveitando cada segundo
dentro do seu novo carro. Se havia algo mais prazeroso do que dirigir aquela
máquina, Paiva se esquecera completamente. Sentado no banco e atrás do volante,
o Paiva era uma criança, era só alegria. Parado num semáforo, ele não pode
deixar de notar que algumas pessoas invejavam seu carro novo e pensou: “Agora,
sim, sou um homem de verdade!”.
Ao chegar em casa, Paiva estaciona o carro na
garagem, vai até o outro lado da rua para tomar distância e fica por algum
tempo admirando sua nova aquisição. Uma centelha ilumina-lhe as ideias: “Que
contraste! Minha casa é bem simples e meu carro tão luxuoso!”. Mas isso pouco
importava, pois o importante mesmo era o carro. Enquanto Paiva admirava a
máquina, Graça aparece, não menos radiante com a nova aquisição do marido e
corre na direção do amado:
– Amor, o carro é lindo! Maravilhoso!
– Eu te falei que era melhor eu ir sozinho! – esboça
um leve sorriso.
– Ainda não concordo, mas admito que você escolheu
bem!
– Caso você tivesse dado palpite, estaríamos olhando
para um Sedan! – e dá risada.
– Não faz drama, criatura! Mas, vamos! Quero dirigir!
– Você quer o que?!
– Dirigir o carro, ora essa!
– Mas nem pensar! O carro ainda está com cheiro de
novo e eu não quero que você arranhe ou estrague alguma coisa.
Graça tenta responder alguma coisa, mas não consegue.
Ela tinha que escolher: ou engolia o choro, ou falava. A coitada volta para
dentro de casa humilhada. E os dias que se seguiram foram mais frustrantes
ainda: Paiva só dava atenção ao carro, já não lembrava que tinha esposa, ou por
outra, lembrava de Graça quando os desejos do sexo tomavam conta dele. Paiva
lavava o carro com mais pertinácia do que quando tomava banho. O carro era
impecável, sem nenhum arranhão, nenhum amassado, nem poeira havia no carro. Nos
finais de semana Paiva saia com a esposa e esta ficava na dúvida: – “Ele está
passeando com o carro ou comigo? Qual de nós ele está exibindo e do que se
orgulha?” – Graça martirizava-se em pensamento, sempre numa humilhação
profunda. Ela só queria a atenção do marido outra vez, como namorados.
Num dos finais de semana de passeio, Paiva acordou
certo em deixar seu carro novo ainda mais bonito, se é que isso era possível.
Levanta, escova os dentes, toma o café da manhã sozinho e vai à área da casa
admirar o carro antes de começar a enchê-lo de mimos. Ao abrir a porta, Paiva
estaca, esbugalha os olhos e reza a Deus para ainda estar dormindo: o carro
havia desaparecido! O homem apoia-se na porta para não cair das pernas. Está
trêmulo como uma vara verde. Sem pensar duas vezes, sai correndo, ainda com o
short do pijama e sem camiseta, até a delegacia para registrar o B.O. e começar
a busca implacável pelo automóvel. Ainda na delegacia, recebe uma ligação, olha
no celular e era Mesquita. Paiva atende o celular num desespero sem par:
– Alô! Uma desgraça aconteceu, Mesquita! Roubara meu
carro! Debaixo do meu nariz e eu não vi nada! Roubaram meu carro!
– Estou sabendo. Acalme-se. Sem querer, encontrei o
seu carro.
– Encontrou?? Onde? Fala que eu vou voando!
–Acalma, homem! A notícia não é boa!
– Ai meu Deus! – Paiva senta-se num banquinho e pede
água com açúcar para o guardinha. – Fala de uma vez!
– O ladrão bateu o seu carro e não sobrou nada, nem
do ladrão nem do seu carro.
– Meu carro! Eu ainda nem terminar de pagar! Vou já!
– Paiva desliga o celular sem ver mais nada e toma o primeiro taxi que encontra.
Ao chegar ao local da tragédia, Paiva não quer
acreditar. Antes de descer do taxi, viu que seu carro estava uma sucata só, não
havia sobrado nada. O comprimento da máquina havia diminuído pela metade. Paiva
abre a porta do taxi lentamente, quase desmaiando. Desce e é recebido pelo
Mesquita, que fazia um sinal de lamentação com a cabeça. Conforme chegava mais
perto da sucata, via pedaços humanos espalhados: um possível braço de um lado,
algo que parecia uma mão de outro, couro cabeludo jogado noutro lado. Fosse
quem fosse, seria impossível reconhecer o marginal.
Atônito e com náuseas colossais, lembra-se de ligar para a esposa, para perguntar se ela havia visto ou ouvido alguma coisa durante a noite. Em posse do celular, antes de discar vê que havia um sms não lido e o abre para conferir. O sms era de Graça. A angústia, o desespero, a dor e o surto de Paiva não podem ser narrados em linhas. No sms estava escrito: "Eu queria sua atenção e sei que consegui. Eu e seu amado carro agora somos um só".
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
A dúvida
Ficavam há algum
tempo. Já eram íntimos, confidentes, um casal. Mas um casal às escondidas, pois
tudo ainda estava no anonimato. Além dos dois, uns poucos privilegiados sabiam
da união. Num dia qualquer, encontram-se, por acaso, sem combinação prévia, num
local público cheio de conhecidos de ambos. Estacam, entreolham-se e um podia
ler no olhar do outro: “E agora? Cumprimento com um beijo no rosto ou com um
selinho?”.
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Amor de morte
– O amor é um câncer! Um câncer, ouviu? – dizia
Roberval, entre um gole e outro de cerveja.
– Não diga besteira, rapaz. Sem o amor, o homem está
morto e de nada serve! – ponderou o amigo, um apaixonado confesso.
– Diz isso por não imaginar o que é sofrer por amor.
Você, sim, ganhou na loteria!
– Não faça exageros!
– Exagero nada. Você vive uma paixão sem fim, sem
limite, que nada afeta.
– Eu e Dora nos damos bem, ora essa.
– Sorte a de vocês. Para mim, o amor é câncer: faz
mal, mas não sai de dentro de mim. E esse meu câncer me consome. Não consigo
matar esse amor.
– E nem deveria! – concluiu o amigo.
E Roberval não era, nem de longe, um exagerado. Aos 26
anos conheceu Dolores, uma garota meiga, linda, encantadora, e apaixonou-se. –
Qualquer um se apaixonaria. Viveu um amor intenso por quase dois anos. Amava a
pequena mais que a vida, costumava dizer. Dolores, até a data do fim do namoro,
também o amava sem limites ou razões lógicas. Contudo, o amor contemporâneo tem
prazo de validade e o de Dolores expirou. Toda e qualquer explicação não era
suficiente para Roberval entender o fim de um amor, assim, do nada.
O rapaz, com seus 28 anos, havia combinado de ir à
casa da namorada, para papear, jogar conversa fora. Chega ao portão e Dolores o
recebe com um beijo na boca, sem paixão ardente, mas um beijo na boca. Ambos
vão para o quarto e Roberval começa a contar sobre seu dia, mas é interrompido
pela namorada:
– Roberval, escuta.
– Pode falar, meu anjo.
– É... é complicado, não sei bem como te dizer.
– Que é isso, Dolores? Sempre fomos íntimos! Para nós
dois não há conversa chata ou para ficar com vergonha. Anda, desembucha.
– Tenho medo. Estou insegura. – ela dizia com uma
mistura de melíflua e plangência.
– Estou começando a ficar preocupado, meu bem.
– Ok, vou falar.
– Faz bem.
– Eu já não sinto por você o amor que eu sentia,
Roberval... – Dolores disse, deixando no ar aquela sensação de insegurança.
Embasbacado, Roberval tenta falar algo, mas as
palavras não chegam à sua boca. Ele limita-se a dizer: – Mas como assim? Não
estou entendo nada!
– Desculpe, meu anjo. Mas não gosto mais de você.
Você sempre foi muito gentil, um doce. Mas meu amor por você acabou.
– Amor não acaba! Se diz que não me ama mais, nunca
me amou! O amor não acaba, não acaba!
– Não é, Roberval, não é! Todos amam por um tempo limitado.
Não se pode amar a mesma pessoa por mais de dois anos. Uma hora o amor termina.
É natural!
– Natural nada! Você nunca me amou. Passou esse tempo
todo apenas me enganando, fingindo sentir um amor que nunca existiu. E eu, como
um idiota, acreditei e te amei. Ou pior: ainda te amo! Pare com essa ideia, por
favor!
– Não posso mandar no meu coração, querido, ele não é
movido por razão. Desculpe-me, por favor.
– Como posso desculpar a mulher que partiu meu
coração, como?
E, desde então, passou a conviver com um amor
unilateral assolando o amargurado coração. As noites eram terríveis. Começou a
ter insônia. Não conseguia dormir: passava horas em claro vendo, em mente,
Dolores sendo beijada, tocada, possuída por outros homens. “– Meu subconsciente
me odeia!” – pensava Roberval, em meio às angústias. Era um martírio diário
passar as vinte e quatro horas do dia sentindo um amor sem qualquer chance de
ser correspondido, ou melhor, de ser novamente correspondido. Queria, mas não
queria, que Dolores voltasse a amá-lo.
No café do trabalho, conversava com o amigo:
– Estou sofrendo como um cachorro e não é justo. Meu
crime foi amar Dolores de verdade. Não é justo.
– A vida não é justa, meu amigo.
– Que bela frase, me ajudou muito. – Roberval disse
com desdém
– Desculpe, desculpe! Porque não tenta reconquistar
Dolores?
– Penso nisso todas as noites, sem exceção.
– Então aja, homem de Deus!
– Não sei, não. Ela disse que já não me amava mais. Como
posso confiar que ela voltou a me amar?
– Se ela disser, é certeza, ora essa!
– E desde quando o amor tem uma tomada que liga e
desliga, assim, como se fosse luz? – falava enquanto ligava e desligava o
interruptor da salinha.
– O amor não é racional, meu filho. Se ainda gosta
dela, vá atrás.
– O que eu preciso é esquecer “aquelazinha” – o amigo
percebeu que Roberval ainda gostava de Dolores.
– Osso. Boa sorte para vocês! Vai dar tudo certo!
– Obrigado, meu amigo vidente. – despediu-se sem
acreditar no otimismo alheio.
Roberval passou dias pesquisando as melhores maneiras
para esquecer um amor iludido. Pesquisava na internet, onde há resposta para
tudo. Já não dormia e decidiu usar a insônia para encontrar uma solução para
seu caso. Já não viam Roberval pela rua, pelos bares, ou por qualquer lugar que
ele costumava frequentar. Faltava ao trabalho por não ter acordado na hora. No
expediente comentavam:
– Cadê o Roberval? – a faxineira perguntava
– Não o vejo há mais de uma sema! – enfatizava o
porteiro
– Parece que enlouqueceu! – mais alguém comentava
– E quem aguenta perder a mulher que ama?
– Coitado. Amava a namorada como um louco e não
merecia isso.
– Para mim ele é uma boa de uma besta! Quem manda se
meter com os sentimentos?
– Cale a boca, insensível!
Angustiado com o desaparecimento de Roberval, o amigo
conselheiro decide ligar para o celular do desaparecido. Para a surpresa de
Cauã, o amigo, Roberval atende:
– Alô. – Roberval atendeu com uma voz fraca,
tristonha, melancólica.
– Rapaz, como você some assim? Têm gente falando até
que você morreu!
– Não faz diferença. Não existo mais para esse mundo.
– Não fale besteiras, cara! Vamos sair, tomar um ar.
Isso também faz bem, ouviu?
– Não saio mais da minha casa.
– Posso saber o motivo?
– Se eu encontrar com Dolores, terei um ataque de
loucura, com certeza. Esse amor me deixa louco e tenho medo de mim.
– Besteira! Nós vamos a algum lugar que só nós dois
conhecemos. Onde não há chance dela estar.
– Agradeço sua solidariedade, mas acho melhor eu
continuar em casa. Estou tentando encontrar uma maneira de acabar com esse
sentimento. Já tentei de tudo.
– Não tentou sair de casa!
– Isso não ajuda. Se eu vir algum casal feliz sou
capaz de cair em prantos no meio da rua e ainda me resta alguma dignidade.
– E o que você tem feito para esquecer seus sentimentos?
Se é que isso é possível...
– Acho que posso receber um diploma de bacharel em
psicologia. Sei de tudo e nada disso funciona. Alguém deveria voltar no tempo e
cuspir na cara de Freud!
– Não diga besteira! Qualquer dia passo na sua casa e
te arranco desse buraco! Tchau!
– Perderá seu tempo. Tchau!
E por mais duas semanas não houve qualquer notícia de
Roberval. A vizinhança já comentava que o rapaz estava louco de vez. Por vezes,
os vizinhos eram acordados em alta madrugada com o barulho de um choro que
rasgava o silêncio. O choro era de
desespero, de alguém que já não sabia o que fazer, que apenas sofria. Ao final
da terceira semana de desaparecimento voluntário de Roberval, Cauã decide ir
até a casa do amigo e retirá-lo daquele ninho de sofrimento, onde não era
possível andar sem tropeçar num pedaço do coração de Roberval, partido em
milhares de pedacinhos.
Cauã abre o portão da casa e entra, certo de que
tirar o amigo daquele lugar seria o melhor a se fazer. Como Roberval morava
sozinho, Cauã não chama por ninguém, apenas entra. A porta da frente estava
trancada e o amigo vai tentar a porta de trás. Trancada também. Então passa a
chamar por Roberval, que não responde. No mínimo estava dormindo, pensou Cauã,
que vai até a janela do quarto chamar por Roberval. Sem sucesso outra vez.
Tomado de preocupação, Cauã arromba a porta com um único chute e entra. A casa
estava entregue à sujeira e ao próprio destino, mas não exala mau cheiro. O
clima da casa era frio, pungente e sombrio, digno do lar de um desesperado.
Cauã procura o amigo pelos cômodos e não o encontra.
Decide, já com o coração na mão, entrar no quarto de Roberval. Segura a
maçaneta firme e começa a abrir lentamente a porta. Quando toma coragem para
abrir os olhos, estava tudo escuro e nada conseguia ver. Cauã acende a luz e é
tomado pelo desespero. Roberval estava deitado na cama, vestido como se fosse a
algum encontro, uma arma estava perto da sua mão, caída no peito; era a arma
que Roberval usara para meter uma bala na cabeça. Na parede, em letras
garrafais, Roberval havia escrito: “Matei o meu amor por Dolores!”.
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Sonhando acordado
Acordou
extasiado, nas nuvens, quase em outra dimensão. Ficou com os olhos fechados por
alguns minutos, na tentativa de voltar ao sonho. Não conseguiu e passou a
relembrar do maravilhoso sonho que tivera, e era incrível a riqueza de
detalhes: - No sonho, passara a noite com a mulher que desejava, que amava.
Teve a noite de amor mais verdadeira de sua vida e seria um pecado nefando chamar
aquilo de sexo: era amor e apenas amor -. O relógio marcava dez horas da manhã
de uma sábado quando ele decidiu levantar e ir comer alguma coisa. Ao chegar à
cozinha, estacou e esbugalhou os olhos. A mulher do sonho estava ali,
preparando o café, apenas de calcinha e com uma camisa social sua. A mulher era
um espetáculo! Não foi sonho.
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Estado laico, humanos religiosos
A marginalização do pensamento e do conhecimento
religioso, em especial o cristão, é fato corriqueiro, com ênfase maior nas
universidades, centros de pesquisas e debates de toda a espécie. Seja qual for
o tema, assim que um cristão dispara um argumento com o menor resquício de
religiosidade ou menção à bíblia, é rechaçado, ignorado, menosprezado e
humilhado de imediato. Mais de dois mil anos de estudos e desenvolvimento de
uma doutrina são atirados à lata de lixo, como se de nada valessem. E não importa qual o assunto em pauta.
Nas discussões que envolvam políticas e legislação, a
coisa piora significativamente. Não é mais aceito justificativas morais que se
sustentem, no mais mínimo que seja, na moral absorvida pelo brasileiro, que é a
cristã. O cristão que têm fé na doutrina, que acredita nela, precisa travestir
seus argumentos para que não aparentem ter um pingo de religiosidade. Não
entendo o porquê de outros tipos de conhecimento obterem espaço nas discussões
e o religioso não. Dirão que o conhecimento religioso é irracional, ilógico,
sem fundamentação, mas, ironicamente, os que afirmam isso não param por um
momento para analisar o que refutam de imediato.
Não falo por falar. Faço parte do mundo virtual e
acompanho suas mutações. E, inegavelmente, o conhecimento de hoje é adquirido, em
sua grande maioria, através da internet. Aqueles que se preocupam com um
conhecimento com qualidade maior – seja qual for o tipo de conhecimento e a
qual vertente ele pertença – ainda conseguem esquivar-se do conhecimento leviano
e mal intencionado da internet. Criaram uma nova forma de absorção de
conhecimento, que ocorre de diversas maneiras. Cito como exemplo o mais comum:
acontece através do compartilhamento de imagens, com um pequeno texto, nas
redes sócias, principalmente no facebook. Funciona da seguinte maneira: Um
usuário qualquer utiliza a foto de uma criança que passa fome e, na mesma
imagem, insere um texto parecido com “Deus dá carros e casas, mas não me dá
comida.” e o usuário que recebe a imagem, instantaneamente, acredita
compreender toda a complexidade dos desígnios de Deus, e passa a ser militante
da causa ateísta. Outro exemplo: Pega-se a foto de um famoso rico e ateu junto
de uma criança pobre e está pronta a prova de que os ateus são infinitamente
mais caridosos do que aqueles que pautam-se pela doutrina da caridade. Esta
técnica é utilizada para angariar adeptos para qualquer causa, qualquer uma,
sem restrição.
Fiz uma breve introdução para mostrar o estado de
coisas. Passemos ao assunto principal. Estado laico é a exigência do momento e
não discordo dela. O Estado não pode e não deve ter religião. Religião é para o
ser humano, não para um ente que existe apenas no mundo do teatro jurídico e
político. O Estado não tem forma, não tem alma e não pode ter religião. Se o
Estado fosse capaz de ter fé, poderia ter religião. A outra parte do contrato
social, ou seres humanos, pelo contrário, possuem alma e têm todo o direito de
ter fé. Não apenas o direito de ter fé,
mas, também, o direito – e eu diria “o dever” – de usar sua fé como parâmetro
para discussões de qualquer espécie.
Um Estado laico não é sinônimo de um Estado ateu,
caso fosse, não seria possível admirar o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, as
belíssimas igrejas espalhadas por todo território nacional. O Estado não pode
fazer qualquer tipo de coisa a não ser através das pessoas. Como eu disse, o
Estado é um teatro jurídico e político. Acompanhe: Quem celebra um acordo entre
nações é a própria nação ou as pessoas que representam a nação? As pessoas,
evidentemente (parece óbvio, mas o óbvio só é óbvio quando descobrimos sua obviedade).
E as pessoas possuem seus próprios credos.
Um Estado laico não deve se meter em assuntos
religiosos, ditar as regras de um culto ou de uma missa, de um batismo, ou de
qualquer manifestação da fé. Contrário senso, as pessoas que são religiosas
devem meter-se nos negócios do Estado, pois os negócios do Estado afetarão a
vida de cada religioso. A doutrina cristã apresenta modelos de conduta e de
moral, modelos que são aceitos e seguidos pela grande maioria dos brasileiros.
Se vivemos numa democracia, e democracia é o governo da maioria, que as ideias
e ideais dos cristãos sejam parte da discussão.
A retirada de símbolos religiosos – fala-se em
símbolos religiosos, porém os símbolos cristãos é que são atacados. Caso um
budista tenha em seu gabinete um Buda tamanho real, certamente ninguém se incomodaria
e achariam até bonito – é apenas mais uma tentativa de suprimir qualquer menção
à religião e ao cristianismo. Levado a sério a retirada de símbolos religiosos
de prédios públicos ou de qualquer coisa pública, o Cristo Redentor deveria ser
posto ao chão, os Cristos que guardam a entrada da maioria das cidades
brasileiras seriam derrubados, a Catedral de Maringá não poderia mais fazer
parte do cartão postal da cidade.
O brasileiro é religioso, crê em Deus, acredita na
bíblia. Não faz sentido nenhum retirar das discussões a essência do próprio
povo que discute.
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Injustiça divina
Pensou, pensou,
e pensou. Queria, a todo custo, encontrar um elogio – para arriscar um
galanteio – à altura daquele rosto que, segundo sua definição inconsciente de
beleza, era perfeito. “Linda, perfeita, maravilhosa e afins” conseguiu imaginar
e continuou calado. Concluiu que eram demasiadamente grosseiros, quiçá
ofensivos, àquela beleza. Era um perfeccionista e preferiu manter-se de boca
fechada a escolher a palavras errada. Decidiu continuar sentado e calado,
apenas olhando a moça. Parecia injusto Deus ceder tanta beleza a um ser humano
só.
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Mau cafetão
Ramon era um garoto ingênuo, tímido. Talvez sua falta
de atributos físicos o fizesse sentir-se menosprezado. Quando colocado perto de
alguma garota, logo calava-se, não dizia uma palavra, como se o que fosse dizer
tivesse o potencial de ofender a garotas presente. Ainda que estivesse a fim de
uma garota, e por mais que tentasse, na presença feminina suas cordas vocais
entravam em greve, até conseguia abrir a boca, mas as palavras teimavam em não
sair de lá. Ramon já contava com 18 anos e havia beijado apenas uma meia dúzia
de garotas, um pecado nefando para o juízo de sua idade. – “A quantidade de mulheres
que beijei não define quem sou!” – repetia Ramon incansavelmente para si mesmo,
numa tentativa de consolar seu ego ferido.
Se beijar garotas era um problema para Ramon, sua
ainda intacta virgindade era o grande problema de sua vida, a questão a ser
resolvida. Inegável que um garoto com 18 anos fique frustrado e decepcionado por
ainda não ter provado daquilo que seus colegas gabam-se o tempo todo, como se
fosse a conquista mais importante de suas vidas. A fim de manter uma vida
social para, possivelmente, conhecer uma garota que topasse ser sua primeira
mulher, a primeira a revelar a nudez, Ramon participava de encontros com
colegas. Seu incômodo era quando o assunto sexo entrava na pauta. Ouvia, numa
mistura de aluno ouvinte com o desprezo de um virgem frustrado, os amigos
gabarem-se:
– Ontem levei a fulana para casa!
– Finalizou? – Outro colega perguntava.
– Evidente, rapaz! Comigo não têm essa enrolação! Ou
vai para cama comigo, ou tchau! Não pago de namoradinho de rapariga nenhuma!
E, na cabeça de Ramon o dilema começa outra vez: – “Como
pode ser tão fácil para eles e tão difícil para mim? Ou eu sou muito feio e mal
educado, ou esses caras são demais!” – martirizava-se.
Pouco tempo depois, conheceu, na faculdade, um novo
colega, seu nome era Tício. Este era um rapaz educado, de bom papo, simpático,
e Ramon, inevitavelmente, estreitou as relações com Tício. Num dia qualquer,
Ramon e Tício decidem matar aula e ir ao bar em frente à faculdade. Lá pela
sexta garrafa de coragem, digo, de cerveja, Ramon dispara:
– Sabe, Tício, qual é minha maior frustração? –
Pergunta com ênfase e, antes do amigo responder, lhe adianta, batendo no peito –
Sou virgem! Isso mesmo, ouviu? Sou virgem!
–Ora! – Tício espanta-se – E porque?
– Como assim porque? Sou virgem por um simples
motivo: Nenhuma mulher quer se deitar comigo!
– Não acredito nisso. Nos tempos em que vivemos não
há mais virgens.
– Pois, então, sou o último!
– Mas como pode? Você é tímido?
– Tímido?! Tímido é pouco! Acho que, na verdade, só
estou te falando isso porque o álcool me deu coragem!
– Ora, mas isso é fácil de resolver!
– Fácil nada! Já tentei de tudo. Passei semanas na
internet pesquisando maneiras de acabar com essa timidez e não encontrei nada!
– Pois você não precisa de internet, meu amigo, você
precisa de mim! – gabou-se.
– E como você vai poder me ajudar?
– Não se preocupe.
Ramon para um pouco e, com o ar questionador que a
cerveja fornece, brada: – Olha, rapaz, lhe meto a mão na cara! Eu não sou gay,
não, entendeu??
Tício dá uma gargalhada e responde: – Sua besta! Eu
também não sou! Vou mexer uns pauzinhos e conseguir uma garota bem ajeitada
para você. Espere alguns dias e te aviso.
E, de fato, Tício tratou de encontrar uma mulher para
fazer a alegria do recente colega. Tício, apesar da pouca idade, era um
malandro na vida, esperto, maquiavélico, engenhoso. Conhecia Cássia, uma garota
um tanto sem escrúpulos, que afirmava ter como lema “curtir a vida intensamente”.
Cássia era uma bela moça, devia ter seus 23 anos, e dona de um corpo que, por
onde passava, despertava os desejos mais primitivos nos homens. Tício liga para
Cássia e começa a contar de seu colega. Tício era uma espécie de psicólogo por
vocação, pois conhecia a pisque humana como ninguém, e, por isto mesmo,
conseguiu despertar em Cássia a vontade de ser a primeira na vida de Ramon.
Plano arquitetado, na sala de aula chama Ramon de canto e diz:
– Consegui a mulher pra tu!
– Cara, vou morrer de vergonha. Não sei o que fazer!
– Olha, não tem com o que se preocupar. Eu já falei
com ela e contei da sua timidez. Para falar a verdade, ela até achou “bonitinho”
você ser tão tímido.
– Já estou tremendo!
– Toma jeito, rapaz! Mas têm uma coisa...
– O que é? – quis saber Ranon
– Ela cobra.
– Uma puta?
– Dobre a língua, Ramon, dobre a língua! Ela faz isso
por necessidade. Paga os próprios estudos e precisa de um dinheiro extra.
– Complicado.
– Complicado nada. Escuta: ela é honestíssima e quase
ninguém sabe que ela faz isso, sou um dos únicos.
– Mas como ela é? – questiona Ramon, já possuído pelo
desejo
– Uma graça, uma querida!
– Está bem, eu topo! Quanto vai ser?
– Cem reais.
– Nossa! Tanto assim? Mas vale essa grana mesmo?
– Se vale? Eu até acho que ela deveria cobrar mais.
– Ok, ok.
– Mas é o seguinte: ela se sente ofendida com o
dinheiro. Por isto, em hipótese alguma fale de dinheiro com ela, entendeu? Em
hipótese alguma!
– E como eu vou pagar sem falar em dinheiro? Dou a grana
mudo?
– Não. Você me entrega e eu deposito o dinheiro na
conta dela. Entendido? Nada de falar de dinheiro.
– Perfeitamente!
Ramon vai para casa possuído pelo desejo. Antes de dormir,
pensa em Cássia, que ainda nem conhecia. Espera, ansiosamente, a data marcada.
Quando chega o dia, Ramon toma um banho digno de um Rajá. Depila-se, ensaboa-se,
faz tudo conforme o protocolo. Na hora combinada Ramon aparece no apartamento
de Cássia e, com as mãos trêmulas e quase caindo das próprias pernas, toca a
campainha. Cássia abre a porta e Ramon rende-se ao óbvio: ela realmente era
bonita, uma graça. O rapaz a encontra com uma camisola de dormir, quase
diáfana, revelando-lhe a silhueta. O rapaz entra. Ramon sai depois de cerca de
2 horas. Assim que fecha a porta, um sorriso vadio, mas alegre inunda sua face.
Está alegre como jamais estivera. Era, de fato, um homem feito. Dá pulos, socos
no ar. Para em frente do espelho do elevador e diz, olhando a própria imagem: –
“Você é O Cara, Ramon, você!” – e ri como se não houvesse amanhã.
Na faculdade, Tício vai ao encontro de Ramon e
pergunta, à queima roupa:
– E então, o que achou da Cássia?
– Uma leoa na cama, se é que me entende. – Ramon
responde ainda extasiado com a experiência.
– Eu lhe disse, amigo, eu lhe disse! – afirma Tício, enquanto
dá três tapinhas nas costas do colega. – Mas e a grana, trouxe?
– Sim, trouxe. Tome.
– Perfeito. Preciso depositar para ela ainda hoje.
Tchau!
A mente de Ramon estava tomada pela luxúria. Pensava em
Cássia o tempo todo. Às vezes Ramon julgava ter voltado ao estado primitivo,
onde apenas a satisfação dos seus desejos importava. Numa tarde de sábado,
desesperado para satisfazer os próprios desejos, telefona para Tício, querendo
que ele agende outro encontro com Cássia. Queria ligar diretamente para ela,
mas o colega também o advertiu para que não pedisse o número do celular da
moça, pois ela se sentiria ofendida, como se Ramon a visse como posse. Tício
não atende na primeira tentativa, o que faz Ramon ficar ainda mais ansioso. Na
terceira tentativa Tício atende e Ramon é enfático:
– Quero outro encontro com a fulana!
– Mas você vai ter que pagar de novo, Ramon. – Tício
pondera
– Não interessa. Dinheiro há! Quero e quero hoje!
– Vai ser complicado conseguir assim, do nada.
– Pois, se conseguir, te dou um trocado!
– Vou ver o que consigo fazer.
Vinte minutos depois o celular de Ramon toca, mas
Ramon apenas ouve, sem conseguir encontrar o aparelho. Num ato desesperado,
derruba tudo que encontra pela frente para encontrar o celular e, com a sorte
de dois segundos, atende:
– Conseguiu??
– Não foi fácil, mas deu certo.
– Isso! Isso!
– Vá ao apartamento dela às 20 horas, nem mais, nem
menos, entendido?
– Perfeitamente! Muito obrigado!
– Escuta: Nada de falar de dinheiro ou pedir o
telefone, certo?
– Certíssimo! Amanhã lhe dou a grana. – e Ramon
desliga o celular.
Ramon olha o relógio e faltam 40 minutos para o
encontro. Como um raio, enfiasse no banheiro e começa seu banho de Rajá. Canta,
dá risada, dá pulinhos, enquanto toma banho. Por sorte, o apartamento de Cássia
não era distante da casa de Ramon. Pontualmente às 20 horas ele toca a campainha
do apartamento de Cássia e a cena se repete: camisola diáfana, sorriso bobo, e
luxúria. Após o coito, Ramon está deitado na cama, junto de Cássia e sente algo
estranho no peito. – “Apesar de tudo,
gosto desta garota! Queria ela pra mim.” – pensou Ramon.
Ramon teve mais cinco ou seis encontros com Cássia,
todos agendados por Tício. Numa das vezes Tício tentou aconselhar o colega: – “Cuidado
para não se apaixonar, rapaz!”. E na última vez que agendou o encontro,
concluiu: – “Esse já era. Tomou o chá.”. E, realmente, Ramon estava apaixonado pela
moça. Queria um contato maior com a amada. Num dos encontros, Cássia deixa
escapar que também está gostando do rapaz. Ramon, que com Cássia já não era
mais tímido, propõe, maravilhado:
– Pois fiquemos juntos, é óbvio!
– Será, meu docinho?
– Não há mistério, minha linda. Olha, sei que você
não gosta que toque no assunto, mas...
– Que assunto? Pode falar, não têm problema.
– Ok, até porque você já sabe. Então, é até bom que
fiquemos juntos. Meu dinheiro está acabando. – Ramon confessa, meio encabulado.
– Como assim “meu dinheiro está acabando”? – Cássia
pergunta, sem entender nada.
– O dinheiro que dou ao Tício e que ele deposita em
sua conta.
– Você deve estar doido de amor, Ramon. Eu não recebo
dinheiro de ninguém, muito menos de Tício, ora bolas. – Cássia diz, enquanto
faz carinhos em Ramon, que parecia sério, pensante.
No sábado Ramon vai até a casa de Tício e o chama
pelo celular. Diz que precisa dizer algo ao colega, mas pede que ele leve a
carteira até o portão. Sem estranhar, Tício faz o que o colega pede. Assim que
Tício abre o portão, Ramon saca um revólver e vara o colega com 4 fatais tiros.
Enquanto o colega de faculdade ainda agoniza no chão, Ramon pega a carteira e
retira as cédulas que lá estavam, cerca de quatrocentos reais. Guarda o
dinheiro no bolso e sai em direção ao encontro com Cássia.
Fugindo do amor
Assim que, sem motivos aparentes, a namorada terminou
o namoro, decidiu que nunca mais sofreria por amor. Arrumou as malas, deixou o
emprego, abandonou as mulheres e a vida mundana: sumiu! As vizinhas gordas, à
beira da calçada, comentavam que o rapaz talvez tivesse dado cabo da própria
vida. – Fim de namoro complicado. Ninguém aguenta! – comentavam as vizinhas
gordas. Anos passaram-se até que um amigo recebe uma carta, e era do então
desaparecido. Na carta, o rapaz escreveu: “Fugi do amor para não sofrer. Hoje
sofro por não encontra-lo”.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Sinceridade que corrompe
Palmirinha era o que podia se chamar de exceção à
regra. Sempre prezou pelos princípios que faziam uma mulher parecer um ser não
passível de pecados. Era quase uma imaculada, diziam os vizinhos. E diziam com
razão, afinal, a moça jamais saíra com vários homens. Interessava-se por um e,
primeiramente, tratava de conhece-lo, de saber quem era. Para conhecer o rapaz
pretendente a namorado, constituía quase um inquérito policial. Investigava
tudo que podia, na medida certa.
Pobre Palmirinha. Mesmo com toda astúcia, deixava-se
levar pela lábia do homem esperto, vivido. Talvez fosse enganada pela vontade
de encontrar um namorado, pelo desejo quase que incontrolável de estar junto de
alguém, de ter um companheiro. Este cego desejo a iludia e a fazia ver naquele
que tivesse uma boa conversa o homem ideal para ela. A prima, e melhor amiga,
por vezes advertiu: – “Menina, olha, antes de apaixonar-se, deixe a ilusão de
lado! Nunca vi uma garota se apaixonar tão rápido”.
Os alertas da prima não serviam de muito. Passado
algum tempo da última decepção amorosa, Palimirinha ligava para a melhor amiga
e dava o aviso: – “Amiga, desta vez eu encontrei o homem certo! Fulano sim é
homem e sincero, esse é e garanto!”. A prima, às vezes cansada de alertar a
amiga, apenas ouvia a conversa e, depois de desligar o celular, apenas
lamentava pela prima. Dizia ela em pensamentos: “Coitada de Palmirinha. Uma
menina tão dócil e gentil, uma menina que vale ouro, e só conhece homens que
não prestam. Minha prima merece algo melhor.”. Ainda reverberando consigo
mesma, a prima concluía que o problema estava justamente em procurar um amor a
todo custo. Se procuramos muito alguma coisa, queremos encontrá-la a todo
custo, acabamos por nos enganar e vemos a coisa onde ela não existe e jamais
existirá. – “Cautela na escolha do amor” – a prima bateu o martelo.
Após alguns meses e mais uma decepção amorosa,
Palmirinha foi à casa da prima para desabafar – é incrível como gostamos que as
outras pessoas saibam da nossa desgraça – e, em meio a lágrimas, disse:
– Porque sempre quebro a cara com os homens, prima?
Queria, ao menos uma vez, encontrar alguém decente.
– Sofre por buscar em qualquer um o que existe em
poucos: Disposição para amar de verdade e ser fiel. – Respondeu a prima.
– Disposição para amar acredito que todos tenham;
fidelidade já duvido. E outra: O que mais me decepciona é a falta de
sinceridade. Todos os homens que fizeram algo de errado, negaram até a morte. –
Retorquiu Palmirinha.
– Sinceridade também corrompe, amiga, também corrompe!
– Ponderou a prima.
Após alguns dias refletindo, Palmirinha prometeu que
nunca mais iria atrás de outro homem. Prometeu que esperaria com calma
encontrar um rapaz decente. Promessa feita, três ou quatro meses depois – há
quem diga que por capricho do destino – conheceu Diógenes. Este, inegavelmente,
era um tipo conquistador, era um galã. E, mais importante, Palmirinha encontrou
em Diógenes a sinceridade que faltava nos demais que havia conhecido. O rapaz,
de fato, era de uma sinceridade perturbadora. Suas falas eram sempre coerentes,
jamais contradizendo-se. Se contava uma história hoje, passavam-se meses e anos
e a história por Diógenes era repetida igual, nos mínimos detalhes.
Homem sincero encontrado, Palmirinha passou a namorar
Diógenes. Como alguns diriam, estavam num relacionamento sério. Estavam felizes
como poucas pessoas conseguem ser. E, por este mesmo motivo, eram invejados. – “É
fogo de palha! Dá um tempo e vai ver que é fogo de palha!” – praguejavam as
senhoras gordas em frente às suas casas. Era como se a ninguém interessasse a
felicidade do casal; era como se a diversão macabra da pequena cidade fosse
esperar pelo fim do romance.
Mais de seis meses haviam se passado desde o início do
namoro. Até a prima que outrora duvidara da duração do namoro, estava contente
por sua melhor amiga. Diógenes era apenas mimo com a namorada. Viviam uma
eterna paixão, uma lua-de-mel sem fim. Diógenes realmente amava a pequena. Via
nela algo especial, uma pureza que buscou em outras mulheres, mas nunca havia
encontrado. Em certa ocasião, disse ao pai: – “Quero me casar com ela, pai,
quero sim! Amo Palmirinha, mas não sei se sou bom o suficiente para ela. Meus
defeitos, com certeza, pesariam na tomada de decisão de minha amada!”. Depois
de muito refletir sobre o assunto, Diógenes toma a maior decisão de sua vida:
Decide pedir a mão de Palmirinha em casamento!
Programou tudo: Comprou roupa nova, pediu para que os
pais saíssem de casa, decorou a casa com um ar tão romântico que o romance tangível,
sentia-se pelo olfato, era palpável. Poder-se-ia dizer que o chão jamais havia
recebido concreto e cerâmica, pois parecia ser feito unicamente de pétalas de
rosas. O cheiro da casa passou a ser viciante. Qualquer um desejaria sentir o
odor daquele ninho de amor pelo resto da vida. Até a mulher mais insensível não
resistiria ao clima instalado na casa e aceitaria se casar com Diógenes. Pois
bem, Diógenes preparou tudo e estava apenas a esperar a amada. Eis que sua
futura noiva chega.
Palmirinha chegou meio acanhada, tímida, como se
estivesse com alguma preocupação. Diógenes a levou até a sala e, à
queima-roupa, fez o pedido de casamento. Palmirinha não respondeu sim ou não,
apenas bradou:
– É verdade que você me trai, Diógenes? Diga! É
verdade?
– Que ideia é essa, meu amor? Quem te vendeu esse
peixe? Diga!
– Minha prima, em quem confiou plenamente, me disse
que viu você e outra mulher se beijando e trocando carícias! Diga, é verdade? –
Insistiu Palmirinha.
Ver a mulher amada chorando e pedindo a verdade de
maneira tão doce e, ao mesmo tempo, pungente, fez com que Diógenes respondesse:
– É verdade, Palmirinha, é verdade e não negarei. Mas
insisto que te amo! Nunca amei ninguém e por ti sinto amor verdadeiro! Quero
Passar o resto de minha vida contigo!
– Porque fizeste isso comigo? Não acredito! Não quero
acreditar! – Desesperou-se Palmirinha.
– Sou um homem de virtudes inabaláveis e que já não se
encontram em outros homens. – Respondeu Diógenes – Porém, eu traio, sou infiel
e sempre gostei de ser. Nunca fui homem de apenas uma mulher. Contudo, por você
eu estava disposto a mudar. Entretanto, mudar esse comportamento não é tão
simples. Te amo e fui um canalha contigo, sei disso! Você não me merece. Sou um
patife! Vamos, cuspa na minha cara! Imploro: Cuspa na minha cara!
Palmirinha segurou o rosto de Diógenes entre as mãos,
olhou bem em seus olhos e deu-lhe um beijo na boca, um beijo que qualquer cena hollywoodiana
ficaria com inveja. Foi o beijo na boca mais sincero, mais entusiasmado de que
se teve notícia. Ao final do beijo, Palmirinha disse a Diógenes: – “Aceito teu
pedido. Você é o único homem sincero que conheço! Eu te amo!”.
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
O sorriso
Súbito, percebera algo
que o incomodou: Na mesa com 5 presentes, dos quais 3, incluindo ele mesmo,
eram homens, e 2 eram mulheres, tudo já estava premeditadamente combinado para
depois do fim daquela garrafa de vinho: Sairiam em casal e ele não estava
incluso nessa. – "Estou
sobrando" – concluiu. Porém, fez de conta que não sabia
e continuou a interagir com todos. Após fazer um comentário jocoso, constatou que
uma das moças era dona de um sorriso ímpar, intrigante, belo, hipnotizante, e,
de imediato, soltou o comentário: – “Que sorriso lindo. Eu seria capaz de ficar
aqui parado para sempre, apenas olhando você sorrir!” –. A moça corou a
bochecha, e, acanhada, limitou-se a responder: – “Obrigada. Você é muito gentil!”. Rápido na resposta, o rapaz
redarguiu: – “Eu que agradeço por nos brincar com seu sorriso
maravilhoso!” –. Olhou para o lado e notou que o futuro par da
moça não havia gostado de seu comentário; educadamente se despediu de todos e
partiu. A moça do sorriso já não queria seu futuro par.
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Morto e cheio de amor
Mévio vivia só, gostava de estar sozinho, ouvindo o
silêncio, sentindo a paz que a solidão proporciona. Passava dos 37 anos e
mantinha o hábito da solidão, adquirido na juventude. Sua vida fora sempre um
mistério, ninguém sabia, ao certo, de onde vinha, aonde chegaria, ou o que
fazia. – “Assim é mais seguro” –
pensava. O mais eficiente biógrafo não conseguiria registrar os fatos
importantes de sua misteriosa vida.
No trabalho, inevitavelmente, alguém, movido pelo
inerente interesse pela vida alheia, questionava Mévio acerca de sua vida:
– Então, rapaz, como é? Você sempre morou por aqui?
Somos colegas de trabalho e não sei nada sobre ti.
– Melhor assim. Não gosto que saibam sobre mim.
– Mas por quê?
– A maledicência humana me impressiona.
E Mévio não falava apenas da boca para fora. Ninguém
podia ver, mas sua alma estava marcada por cicatrizes de um passado de traições,
desgostos e decepções. Certa vez, conversando com um já falecido amigo, –
talvez seu único amigo – Mévio começa a confessar-se:
– Confio apenas em ti, Ramon, em ninguém mais. Conheço-te
há tempos e em ti confio.
– Agradeço por sua confiança, Mévio, mas acho
besteira essa sua mania de desconfiar de todos.
– Besteira nada! A vida inteira vi pessoas traírem umas
às outras, e também a mim.
– Vemos o que queremos ver. – ponderou Ramon.
– Eu diria: “Vemos o que está estampado na nossa cara”
– retrucou Mévio. – E quando falo de traição, não me refiro apenas às traições
amoras, dos relacionamentos.
– Não entendi muito bem.
– Olha, escuta: Qualquer relacionamento é baseado em
confiança, meu amigo. Até o relacionamento que tenho com o dono do boteco: Só o
frequento por confiar no Seu Fulano. E toda vez que alguém quebra essa
confiança, trai a outra pessoa que depositou confiança.
Ramon parou por alguns segundos, tentando digerir as
ideias do amigo e entende-las, e disse: – O pior é que você têm razão. Eu nunca
havia olhado os relacionamentos desta maneira.
– Pois deveria, deveria! – Aconselhou Mévio.
Um acúmulo de frustrações: esse era Mévio. Talvez seu
fardo fosse viver sofrendo, se decepcionando. Alguns nascem para amar e serem
amados, outros nascem para sofrer o tempo todo, sem exceção. Ainda na infância,
os amiguinhos da escola, invariavelmente, o deixavam de canto e, quando pensava
ter encontrado um amiguinho, sua confiança era traída, esquecida, violada,
desrespeitada. Ainda jovem, nutria esperanças de encontrar alguém em quem confiar,
alguém para se confessar, alguém para amar. Encontrou em Ramon os dois
primeiros objetivos. O terceiro não era possível, pois amava Ramon, mas como
amigo. O amor que desejava era um amor de mulher, um amor de casal. Depois da
morte de Ramon, quando Mévio estava com 23 ou 24 anos, as esperanças que
depositava no ser humano foram atiradas à lixeira.
Ainda moço, conheceu uma bela mulher, bonita,
interessante, esperta e bem resolvida. Aberlarda foi sua paixão momentânea.
Mévio sentia na moça um ar de confiança, de esperança, e decidiu namorar a
jovem. Fez conforme o protocolo mandava, confessando-se para a moça, contando seus
problemas e coisas do tipo. No dia em que foi pedir a moça em namoro, fez
questão de sublinhar:
– Olha, Abelarda, quero te dar uma coisa.
– Que lindo, Mévio! O que é?
– Feche os olhos e vire-se que eu vou pegar. – a moça
obedece.
– Pronto, pode virar! – diz Mévio.
Mévio fechava as mãos em formato de concha, como se
segurasse alguma coisa. Abelarda, maravilhada, imaginava uma aliança ou algum
mimo. Devagar, Mévio começa a abrir a mão e Abelarda fica em dúvida, pois não
vê nada nas mãos de Mévio, e pergunta:
– Cadê? Não vejo nada!
– O que eu quero te dar não é visível aos olhos da
carne; é visível apenas aos olhos da alma. Em minhas mãos está toda a minha
confiança e quero que fique com ela. Não saia de casa sem ela, não a deixa
esquecida, não derrube, não danifique e nem perca. Lembre-se: Aí está toda a
minha confiança, se você perder, não há mais. – E, encenando um gesto de
entrega, passa o “vazio” de suas mãos às mãos da namorada.
Já contavam cerca de 4 meses de namoro e, num dia
qualquer, um colega de trabalho vira-se para Mévio e diz:
– Olha, se quiser que eu lhe empreste uma grana para
te ajudar com aquele problema, não hesite em pedir. Apesar de não te conhecer
muito bem, gosto de ti, colega!
Mévio estaca por um tempo e põe as sobrancelhas na
posição pensante. Como o colega de trabalho poderia saber de seu problema? Não restavam
dúvidas. A única pessoa que sabia do problema era a namorada e a informação só
poderia ter vazado de Abelarda. Possesso com a quebra de confiança, liga para a
namorada e diz:
– Você perdeu minha confiança e, como eu te disse,
não há mais! É o fim. Não há mais nada entre nós e me arrependo de ter havido! –
Bate o telefone antes que possa ouvir a resposta da ex-namorada.
Talvez nem o próprio Mévio entendesse os desígnios de
seu coração. Inconscientemente, o que Mévio buscava era alguém para amar,
alguém para confiar, alguém para lhe fazer companhia. “A solidão é a condenação
das almas desgraçadas” estava escrito na parede do quarto de Mévio. O coração
deste era bondoso, bem intencionado, cheio de amor verdadeiro e com uma imensa
vontade de dar esse amor. Porém, a vida assolou o coração de Mévio até
retirar-lhe as forças, até que o rapaz se esquecesse do que era capaz e
transformasse o homem em um frustrado, um decepcionado ambulante.
Sem explicação clara, Mévio adoece. Não ia ao médico
com muita frequência e preferia brincar de médico com a própria saúde. Quatro
dias depois de se medicar e se avaliar, a febre que o acometida era
demasiadamente forte, fazendo com que Mévio sequer conseguisse sair da cama. Ao
final de uma tarde, em torno das oito e meia da noite, estava delirante de
febre e dores. Mas ainda restava-lhe um pingo de consciência. Pingo este que
foi o suficiente para Mévio chegar à conclusão: – “Vou morrer!” – disse para si
mesmo. Com o mesmo resquício de consciência, comoçou a dialogar com a própria
consciência:
– Ninguém deveria morrer como eu: só e sem ninguém
para chorar a morte.
– Você escolheu viver desse jeito, meu caro. –
Respondeu a consciência.
– Verdade. À beira da morte, não posso negar, à beira
da morte apenas as verdades são ditas. Mas não me culpo por inteiro, afinal,
sempre traíram minha confiança.
– A culpa é apenas sua, Mévio. Você cometeu um sério
pecado: Perdeu a fé no amor. Passou a viver como se o amor e a confiança já não
existissem.
– Mas eu sempre busquei a ambos. Porém, não os encontrei.
– Talvez eles estivessem em lugares que você apenas
olhou. Se tivesse observado, encontraria.
– Têm razão. Perdi a fé no amor, na confiança e nas
pessoas. Ninguém deveria fazer o que fiz. Sempre quis alguém para amar, e amor
eu sempre tive para dar. Mas minha descrença fez com que eu guardasse esse amor
em meu amargurado coração.
Dez minutos depois morreu. E, naquela cama, sozinho,
havia um morto cheio de amor.
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