segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O beijo e o céu


Eu sempre a desejei. Educação à parte, eu a devorava com os olhos toda vez que a via. Talvez ela não possuísse os padrões de beleza que fizessem todos enxergarem a perfeição que eu via, sentia, e queria. Mas, naquela mulher, tudo estava em perfeita harmonia, não sendo preciso acrescentar ou retirar qualquer detalhe. Aos olhos do poeta, ela era uma espécie de Deusa. E eu a conquistei. Éramos dois apaixonados inconfessos, mas sem o primeiro beijo, sem o beijo que nos uniria, afinal, o entrelace das línguas sela a união. Numa noite qualquer, sentamos na calçada da casa dela. Fiz uma investida e avancei para beija-la. Mão trêmula, coração à beira de um infarto, respiração quase ofegante. Minha boca estava a menos de cinco centímetros da boca mais bem desenhada, mais perfeita, mais desejável de que se teve notícias. Menos de um segundo separava nós dois de sermos apenas um, unidos pelo beijo apaixonado. Aquele segundo durou décadas, séculos, mas passou. Carinhosamente, a segurei por trás da cabeça, pelos cabelos, e a beijei. Fui aos céus e voltei.

sábado, 25 de agosto de 2012

Somos um só


Casaram-se depois de três anos de namoro. A festa foi simples, na casa do casal, com alguns convidados íntimos. Graça, como não podia ser diferente, queria uma festa cheia de pompa, decorações de fazer os olhos delirarem, Buffet caro e muitas lembrançinhas. O Paiva, um homem que controlava as finanças no casal com obtusa pertinácia, preferiu poupar parte do dinheiro da festa para comprar um carro ou, quem sabe, fazer algum acabamento na casa. Independente da festa escolhida, era inegável a felicidade do casal, dois apaixonados confessos. Há quem diga que se casaram muito cedo. – “Com três anos de namoro você não conhece sequer o passado da noiva!” – comentava a maledicência alheia. O fato desconhecido por muitos era que o casal já se conhecia há, pelo menos, meia década. Passaram alguns anos no anonimato, longe dos comentários das vizinhas gordas.

Dois anos após a simples festinha de casamento, os dois ainda viviam em lua de mel e, talvez, ela estivesse mais viva do que nunca. Paiva conservava alguns caprichos de namorado arcaico, o que fazia Graça perder-se de alegria e, inegavelmente, os caprichos do marido massageavam o ego da jovem esposa. No salão, em meio às fofocas inerentes ao local, Graça dispara:

– Marido igual ao meu não há! E duvido!
– Bobagem. Isso é só no começo. – retrucava uma senhora de aparência sofrida que fazia as unhas
– Fala isso por não conhecer o meu Paiva. Ele ainda me enche de mimos, como se fossemos namorados.
– Então aproveite bem. Logo isso passa e você vai acabar como nós: contente em cuidar da casa.
– Isola! – E deu três “soquinhos” na madeira.

E Paiva orgulhava-se dos caprichos que ainda mantinha. Pensava que o cavalheirismo não poderia, em hipótese alguma, desaparecer. Numa quinta-feira, depois do trabalho, decide chegar em casa mais tarde: foi com os colegas do trabalho ao bar beber e conversar. Após uma ou uma hora e meia de bar, o Mesquita pergunta:

– E então, Paiva, como anda o casamento? Já se arrependeu? – Dá aquela gargalhada enquanto cutuca os outros presentes na mesa, como num convite para também rirem.
– De maneira alguma. Tenho certeza de que tomei a decisão correta.
– Alegria de início, rapaz! Eu também era assim, mas logo isso passa.
– Sei não, Mesquita.
– Escuta, rapaz. Você ainda está maravilhado com a magia do casamento e isso é bom, maravilhoso! Mas isso passa! Depois de acordar de manhã vendo a mesma cara do outro lado da cama, você enjoa.
– Mas Graça é linda. Me diga: como enjoar de um rosto lindo?
– A beleza só pode ser apreciada por um curto período. Depois de algum tempo, a pessoa linda parece normal, como se a beleza dela tivesse acabado.
– Até que faz sentido... – Paiva confessou com cera tristeza.
– Diga a verdade: você já nem acha sua esposa tão linda assim, não é mesmo?
– Acho que um marido não deve responder esse tipo de pergunta.
– Pois pense sobre – O Mesquita aconselhou.
– Pensarei. Mas preciso ir. Alguém pode me dar uma carona?
– Carona?? – Mesquita assustou-se – não veio de carro?
– Não tenho carro – confessou.
– Ora essa, homem sem carro não é homem! Não acredito em homem que não tenha carro!
– Estou economizando para comprar um – Paiva disse meio acanhado.
– Pois não demore! Vamos, eu te levo.

Verdade seja dita. Paiva jamais ligara para o fato de não ter um carro e não se preocupava em ter um tão cedo, pensava haverem coisas mais importantes para ter antes de um carro. Mas as palavras do Mesquita corromperam Paiva, e não há nada mais forte, mais insistente, mais difícil de deixar de lado, do que uma ideia. “Homem sem carro não é homem!”. Estas palavras martelaram a mente do Paiva por algumas semanas.

Numa noite qualquer, o casal jantava, mas Paiva parecia estar presente apenas de corpo, seu olhar era longínquo, como se pensasse em algo o tempo todo. Tomada de curiosidade e de preocupação, Graça pergunta:

 – Amor, o que há com você?
Parecendo que voltava de um transe, Paiva responde – Oi? A, sim. Estou pensando em comprar um carro.
– Um carro? Seria maravilhoso, mas você acha que podemos?
– Se podemos eu não sei, mas sei que devo comprar um carro!
– Posso ajudar a escolher? – Graça pergunta radiante.
– De jeito nenhum! Carro é coisa para homem. Homem, entendeu?
– Quanto machismo, meu amor. Mulher também entende de carros, ora essa!
– Claro que entende. As mulheres entendem de carro tanto quanto um homem entende de bijuterias.
– Mas há homens que entendem de bijuterias.
– Eles não são bem homens, se é que me entende.
– Não importa. Eu quero ir junto com você, afinal, somos casados!
– Vou com o Mesquita. Ele, sim, entende de carros.
– Você se casou com o Mesquita?
– Não amola. Eu não dou palpite na tinta de cabelo que você vai comprar ou com quem vai comprar. E fim de papo. Já está decidido.

E, de fato, Paiva não levou a esposa para escolher o carro. Combinou com o Mesquita de irem à concessionária escolher o veículo. Às oito horas da manhã Mesquita buzina em frente ao portão da casa de Paiva. Este sai com pressa e extasiado. Enfia-se no carro de Mesquita e diz:

– Vamos? Estou muito ansioso! – Dizia sem conseguir esconder o sorriso de alegria
– É pra já, meu caro!

Enquanto não chegavam à concessionária, Paiva ia dizendo:

– Acredita que minha mulher queria ir?
– Ixii, começou a se meter onde não devia.
– Foi o que eu disse para ela. Mulher chata!
– Não liga para esse tipo de coisa. Vocês terão motivos mais interessantes para brigar. – e dá uma gargalhada, daquelas cutucando o colega.

 Na primeira concessionária que entram, Paiva se encanta por um carro. Parecia que um completava o outro. Paiva não tem dúvidas e compra a máquina. A verdade é que Paiva não possuía todo o dinheiro para comprar o carro, mas, no dia anterior, passou numa financeira e adquiriu cerca de R$ 100.000,00. Empréstimo feito, leva sua máquina para casa. No caminho, vai sozinho, aproveitando cada segundo dentro do seu novo carro. Se havia algo mais prazeroso do que dirigir aquela máquina, Paiva se esquecera completamente. Sentado no banco e atrás do volante, o Paiva era uma criança, era só alegria. Parado num semáforo, ele não pode deixar de notar que algumas pessoas invejavam seu carro novo e pensou: “Agora, sim, sou um homem de verdade!”.

Ao chegar em casa, Paiva estaciona o carro na garagem, vai até o outro lado da rua para tomar distância e fica por algum tempo admirando sua nova aquisição. Uma centelha ilumina-lhe as ideias: “Que contraste! Minha casa é bem simples e meu carro tão luxuoso!”. Mas isso pouco importava, pois o importante mesmo era o carro. Enquanto Paiva admirava a máquina, Graça aparece, não menos radiante com a nova aquisição do marido e corre na direção do amado:

– Amor, o carro é lindo! Maravilhoso!
– Eu te falei que era melhor eu ir sozinho! – esboça um leve sorriso.
– Ainda não concordo, mas admito que você escolheu bem!
– Caso você tivesse dado palpite, estaríamos olhando para um Sedan! – e dá risada.
– Não faz drama, criatura! Mas, vamos! Quero dirigir!
– Você quer o que?!
– Dirigir o carro, ora essa!
– Mas nem pensar! O carro ainda está com cheiro de novo e eu não quero que você arranhe ou estrague alguma coisa.

Graça tenta responder alguma coisa, mas não consegue. Ela tinha que escolher: ou engolia o choro, ou falava. A coitada volta para dentro de casa humilhada. E os dias que se seguiram foram mais frustrantes ainda: Paiva só dava atenção ao carro, já não lembrava que tinha esposa, ou por outra, lembrava de Graça quando os desejos do sexo tomavam conta dele. Paiva lavava o carro com mais pertinácia do que quando tomava banho. O carro era impecável, sem nenhum arranhão, nenhum amassado, nem poeira havia no carro. Nos finais de semana Paiva saia com a esposa e esta ficava na dúvida: – “Ele está passeando com o carro ou comigo? Qual de nós ele está exibindo e do que se orgulha?” – Graça martirizava-se em pensamento, sempre numa humilhação profunda. Ela só queria a atenção do marido outra vez, como namorados.

Num dos finais de semana de passeio, Paiva acordou certo em deixar seu carro novo ainda mais bonito, se é que isso era possível. Levanta, escova os dentes, toma o café da manhã sozinho e vai à área da casa admirar o carro antes de começar a enchê-lo de mimos. Ao abrir a porta, Paiva estaca, esbugalha os olhos e reza a Deus para ainda estar dormindo: o carro havia desaparecido! O homem apoia-se na porta para não cair das pernas. Está trêmulo como uma vara verde. Sem pensar duas vezes, sai correndo, ainda com o short do pijama e sem camiseta, até a delegacia para registrar o B.O. e começar a busca implacável pelo automóvel. Ainda na delegacia, recebe uma ligação, olha no celular e era Mesquita. Paiva atende o celular num desespero sem par:

– Alô! Uma desgraça aconteceu, Mesquita! Roubara meu carro! Debaixo do meu nariz e eu não vi nada! Roubaram meu carro!
– Estou sabendo. Acalme-se. Sem querer, encontrei o seu carro.
– Encontrou?? Onde? Fala que eu vou voando!
–Acalma, homem! A notícia não é boa!
– Ai meu Deus! – Paiva senta-se num banquinho e pede água com açúcar para o guardinha. – Fala de uma vez!
– O ladrão bateu o seu carro e não sobrou nada, nem do ladrão nem do seu carro.
– Meu carro! Eu ainda nem terminar de pagar! Vou já! – Paiva desliga o celular sem ver mais nada e toma o primeiro taxi que encontra.

Ao chegar ao local da tragédia, Paiva não quer acreditar. Antes de descer do taxi, viu que seu carro estava uma sucata só, não havia sobrado nada. O comprimento da máquina havia diminuído pela metade. Paiva abre a porta do taxi lentamente, quase desmaiando. Desce e é recebido pelo Mesquita, que fazia um sinal de lamentação com a cabeça. Conforme chegava mais perto da sucata, via pedaços humanos espalhados: um possível braço de um lado, algo que parecia uma mão de outro, couro cabeludo jogado noutro lado. Fosse quem fosse, seria impossível reconhecer o marginal.

Atônito e com náuseas colossais, lembra-se de ligar para a esposa, para perguntar se ela havia visto ou ouvido alguma coisa durante a noite. Em posse do celular, antes de discar vê que havia um sms não lido e o abre para conferir. O sms era de Graça. A angústia, o desespero, a dor e o surto de Paiva não podem ser narrados em linhas. No sms estava escrito: "Eu queria sua atenção e sei que consegui. Eu e seu amado carro agora somos um só".

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A dúvida


Ficavam há algum tempo. Já eram íntimos, confidentes, um casal. Mas um casal às escondidas, pois tudo ainda estava no anonimato. Além dos dois, uns poucos privilegiados sabiam da união. Num dia qualquer, encontram-se, por acaso, sem combinação prévia, num local público cheio de conhecidos de ambos. Estacam, entreolham-se e um podia ler no olhar do outro: “E agora? Cumprimento com um beijo no rosto ou com um selinho?”.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Amor de morte


– O amor é um câncer! Um câncer, ouviu? – dizia Roberval, entre um gole e outro de cerveja.
– Não diga besteira, rapaz. Sem o amor, o homem está morto e de nada serve! – ponderou o amigo, um apaixonado confesso.
– Diz isso por não imaginar o que é sofrer por amor. Você, sim, ganhou na loteria!
– Não faça exageros!
– Exagero nada. Você vive uma paixão sem fim, sem limite, que nada afeta.
– Eu e Dora nos damos bem, ora essa.
– Sorte a de vocês. Para mim, o amor é câncer: faz mal, mas não sai de dentro de mim. E esse meu câncer me consome. Não consigo matar esse amor.
– E nem deveria! – concluiu o amigo.

E Roberval não era, nem de longe, um exagerado. Aos 26 anos conheceu Dolores, uma garota meiga, linda, encantadora, e apaixonou-se. – Qualquer um se apaixonaria. Viveu um amor intenso por quase dois anos. Amava a pequena mais que a vida, costumava dizer. Dolores, até a data do fim do namoro, também o amava sem limites ou razões lógicas. Contudo, o amor contemporâneo tem prazo de validade e o de Dolores expirou. Toda e qualquer explicação não era suficiente para Roberval entender o fim de um amor, assim, do nada.

O rapaz, com seus 28 anos, havia combinado de ir à casa da namorada, para papear, jogar conversa fora. Chega ao portão e Dolores o recebe com um beijo na boca, sem paixão ardente, mas um beijo na boca. Ambos vão para o quarto e Roberval começa a contar sobre seu dia, mas é interrompido pela namorada:

– Roberval, escuta.
– Pode falar, meu anjo.
– É... é complicado, não sei bem como te dizer.
– Que é isso, Dolores? Sempre fomos íntimos! Para nós dois não há conversa chata ou para ficar com vergonha. Anda, desembucha.
– Tenho medo. Estou insegura. – ela dizia com uma mistura de melíflua e plangência.
– Estou começando a ficar preocupado, meu bem.
– Ok, vou falar.
– Faz bem.
– Eu já não sinto por você o amor que eu sentia, Roberval... – Dolores disse, deixando no ar aquela sensação de insegurança.
Embasbacado, Roberval tenta falar algo, mas as palavras não chegam à sua boca. Ele limita-se a dizer: – Mas como assim? Não estou entendo nada!
– Desculpe, meu anjo. Mas não gosto mais de você. Você sempre foi muito gentil, um doce. Mas meu amor por você acabou.
– Amor não acaba! Se diz que não me ama mais, nunca me amou! O amor não acaba, não acaba!
– Não é, Roberval, não é! Todos amam por um tempo limitado. Não se pode amar a mesma pessoa por mais de dois anos. Uma hora o amor termina. É natural!
– Natural nada! Você nunca me amou. Passou esse tempo todo apenas me enganando, fingindo sentir um amor que nunca existiu. E eu, como um idiota, acreditei e te amei. Ou pior: ainda te amo! Pare com essa ideia, por favor!
– Não posso mandar no meu coração, querido, ele não é movido por razão. Desculpe-me, por favor.
– Como posso desculpar a mulher que partiu meu coração, como?

E, desde então, passou a conviver com um amor unilateral assolando o amargurado coração. As noites eram terríveis. Começou a ter insônia. Não conseguia dormir: passava horas em claro vendo, em mente, Dolores sendo beijada, tocada, possuída por outros homens. “– Meu subconsciente me odeia!” – pensava Roberval, em meio às angústias. Era um martírio diário passar as vinte e quatro horas do dia sentindo um amor sem qualquer chance de ser correspondido, ou melhor, de ser novamente correspondido. Queria, mas não queria, que Dolores voltasse a amá-lo.

No café do trabalho, conversava com o amigo:

– Estou sofrendo como um cachorro e não é justo. Meu crime foi amar Dolores de verdade. Não é justo.
– A vida não é justa, meu amigo.
– Que bela frase, me ajudou muito. – Roberval disse com desdém
– Desculpe, desculpe! Porque não tenta reconquistar Dolores?
– Penso nisso todas as noites, sem exceção.
– Então aja, homem de Deus!
– Não sei, não. Ela disse que já não me amava mais. Como posso confiar que ela voltou a me amar?
– Se ela disser, é certeza, ora essa!
– E desde quando o amor tem uma tomada que liga e desliga, assim, como se fosse luz? – falava enquanto ligava e desligava o interruptor da salinha.
– O amor não é racional, meu filho. Se ainda gosta dela, vá atrás.
– O que eu preciso é esquecer “aquelazinha” – o amigo percebeu que Roberval ainda gostava de Dolores.
– Osso. Boa sorte para vocês! Vai dar tudo certo!
– Obrigado, meu amigo vidente. – despediu-se sem acreditar no otimismo alheio.

Roberval passou dias pesquisando as melhores maneiras para esquecer um amor iludido. Pesquisava na internet, onde há resposta para tudo. Já não dormia e decidiu usar a insônia para encontrar uma solução para seu caso. Já não viam Roberval pela rua, pelos bares, ou por qualquer lugar que ele costumava frequentar. Faltava ao trabalho por não ter acordado na hora. No expediente comentavam:

– Cadê o Roberval? – a faxineira perguntava
– Não o vejo há mais de uma sema! – enfatizava o porteiro
– Parece que enlouqueceu! – mais alguém comentava
– E quem aguenta perder a mulher que ama?
– Coitado. Amava a namorada como um louco e não merecia isso.
– Para mim ele é uma boa de uma besta! Quem manda se meter com os sentimentos?
– Cale a boca, insensível!

Angustiado com o desaparecimento de Roberval, o amigo conselheiro decide ligar para o celular do desaparecido. Para a surpresa de Cauã, o amigo, Roberval atende:

– Alô. – Roberval atendeu com uma voz fraca, tristonha, melancólica.
– Rapaz, como você some assim? Têm gente falando até que você morreu!
– Não faz diferença. Não existo mais para esse mundo.
– Não fale besteiras, cara! Vamos sair, tomar um ar. Isso também faz bem, ouviu?
– Não saio mais da minha casa.
– Posso saber o motivo?
– Se eu encontrar com Dolores, terei um ataque de loucura, com certeza. Esse amor me deixa louco e tenho medo de mim.
– Besteira! Nós vamos a algum lugar que só nós dois conhecemos. Onde não há chance dela estar.
– Agradeço sua solidariedade, mas acho melhor eu continuar em casa. Estou tentando encontrar uma maneira de acabar com esse sentimento. Já tentei de tudo.
– Não tentou sair de casa!
– Isso não ajuda. Se eu vir algum casal feliz sou capaz de cair em prantos no meio da rua e ainda me resta alguma dignidade.
– E o que você tem feito para esquecer seus sentimentos? Se é que isso é possível...
– Acho que posso receber um diploma de bacharel em psicologia. Sei de tudo e nada disso funciona. Alguém deveria voltar no tempo e cuspir na cara de Freud!
– Não diga besteira! Qualquer dia passo na sua casa e te arranco desse buraco! Tchau!
– Perderá seu tempo. Tchau!

E por mais duas semanas não houve qualquer notícia de Roberval. A vizinhança já comentava que o rapaz estava louco de vez. Por vezes, os vizinhos eram acordados em alta madrugada com o barulho de um choro que rasgava o silêncio.  O choro era de desespero, de alguém que já não sabia o que fazer, que apenas sofria. Ao final da terceira semana de desaparecimento voluntário de Roberval, Cauã decide ir até a casa do amigo e retirá-lo daquele ninho de sofrimento, onde não era possível andar sem tropeçar num pedaço do coração de Roberval, partido em milhares de pedacinhos.

Cauã abre o portão da casa e entra, certo de que tirar o amigo daquele lugar seria o melhor a se fazer. Como Roberval morava sozinho, Cauã não chama por ninguém, apenas entra. A porta da frente estava trancada e o amigo vai tentar a porta de trás. Trancada também. Então passa a chamar por Roberval, que não responde. No mínimo estava dormindo, pensou Cauã, que vai até a janela do quarto chamar por Roberval. Sem sucesso outra vez. Tomado de preocupação, Cauã arromba a porta com um único chute e entra. A casa estava entregue à sujeira e ao próprio destino, mas não exala mau cheiro. O clima da casa era frio, pungente e sombrio, digno do lar de um desesperado.

Cauã procura o amigo pelos cômodos e não o encontra. Decide, já com o coração na mão, entrar no quarto de Roberval. Segura a maçaneta firme e começa a abrir lentamente a porta. Quando toma coragem para abrir os olhos, estava tudo escuro e nada conseguia ver. Cauã acende a luz e é tomado pelo desespero. Roberval estava deitado na cama, vestido como se fosse a algum encontro, uma arma estava perto da sua mão, caída no peito; era a arma que Roberval usara para meter uma bala na cabeça. Na parede, em letras garrafais, Roberval havia escrito: “Matei o meu amor por Dolores!”.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sonhando acordado


Acordou extasiado, nas nuvens, quase em outra dimensão. Ficou com os olhos fechados por alguns minutos, na tentativa de voltar ao sonho. Não conseguiu e passou a relembrar do maravilhoso sonho que tivera, e era incrível a riqueza de detalhes: - No sonho, passara a noite com a mulher que desejava, que amava. Teve a noite de amor mais verdadeira de sua vida e seria um pecado nefando chamar aquilo de sexo: era amor e apenas amor -. O relógio marcava dez horas da manhã de uma sábado quando ele decidiu levantar e ir comer alguma coisa. Ao chegar à cozinha, estacou e esbugalhou os olhos. A mulher do sonho estava ali, preparando o café, apenas de calcinha e com uma camisa social sua. A mulher era um espetáculo! Não foi sonho.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Estado laico, humanos religiosos


A marginalização do pensamento e do conhecimento religioso, em especial o cristão, é fato corriqueiro, com ênfase maior nas universidades, centros de pesquisas e debates de toda a espécie. Seja qual for o tema, assim que um cristão dispara um argumento com o menor resquício de religiosidade ou menção à bíblia, é rechaçado, ignorado, menosprezado e humilhado de imediato. Mais de dois mil anos de estudos e desenvolvimento de uma doutrina são atirados à lata de lixo, como se de nada valessem.       E não importa qual o assunto em pauta.

Nas discussões que envolvam políticas e legislação, a coisa piora significativamente. Não é mais aceito justificativas morais que se sustentem, no mais mínimo que seja, na moral absorvida pelo brasileiro, que é a cristã. O cristão que têm fé na doutrina, que acredita nela, precisa travestir seus argumentos para que não aparentem ter um pingo de religiosidade. Não entendo o porquê de outros tipos de conhecimento obterem espaço nas discussões e o religioso não. Dirão que o conhecimento religioso é irracional, ilógico, sem fundamentação, mas, ironicamente, os que afirmam isso não param por um momento para analisar o que refutam de imediato.

Não falo por falar. Faço parte do mundo virtual e acompanho suas mutações. E, inegavelmente, o conhecimento de hoje é adquirido, em sua grande maioria, através da internet. Aqueles que se preocupam com um conhecimento com qualidade maior – seja qual for o tipo de conhecimento e a qual vertente ele pertença – ainda conseguem esquivar-se do conhecimento leviano e mal intencionado da internet. Criaram uma nova forma de absorção de conhecimento, que ocorre de diversas maneiras. Cito como exemplo o mais comum: acontece através do compartilhamento de imagens, com um pequeno texto, nas redes sócias, principalmente no facebook. Funciona da seguinte maneira: Um usuário qualquer utiliza a foto de uma criança que passa fome e, na mesma imagem, insere um texto parecido com “Deus dá carros e casas, mas não me dá comida.” e o usuário que recebe a imagem, instantaneamente, acredita compreender toda a complexidade dos desígnios de Deus, e passa a ser militante da causa ateísta. Outro exemplo: Pega-se a foto de um famoso rico e ateu junto de uma criança pobre e está pronta a prova de que os ateus são infinitamente mais caridosos do que aqueles que pautam-se pela doutrina da caridade. Esta técnica é utilizada para angariar adeptos para qualquer causa, qualquer uma, sem restrição.

Fiz uma breve introdução para mostrar o estado de coisas. Passemos ao assunto principal. Estado laico é a exigência do momento e não discordo dela. O Estado não pode e não deve ter religião. Religião é para o ser humano, não para um ente que existe apenas no mundo do teatro jurídico e político. O Estado não tem forma, não tem alma e não pode ter religião. Se o Estado fosse capaz de ter fé, poderia ter religião. A outra parte do contrato social, ou seres humanos, pelo contrário, possuem alma e têm todo o direito de ter fé.  Não apenas o direito de ter fé, mas, também, o direito – e eu diria “o dever” – de usar sua fé como parâmetro para discussões de qualquer espécie.

Um Estado laico não é sinônimo de um Estado ateu, caso fosse, não seria possível admirar o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, as belíssimas igrejas espalhadas por todo território nacional. O Estado não pode fazer qualquer tipo de coisa a não ser através das pessoas. Como eu disse, o Estado é um teatro jurídico e político. Acompanhe: Quem celebra um acordo entre nações é a própria nação ou as pessoas que representam a nação? As pessoas, evidentemente (parece óbvio, mas o óbvio só é óbvio quando descobrimos sua obviedade). E as pessoas possuem seus próprios credos.

Um Estado laico não deve se meter em assuntos religiosos, ditar as regras de um culto ou de uma missa, de um batismo, ou de qualquer manifestação da fé. Contrário senso, as pessoas que são religiosas devem meter-se nos negócios do Estado, pois os negócios do Estado afetarão a vida de cada religioso. A doutrina cristã apresenta modelos de conduta e de moral, modelos que são aceitos e seguidos pela grande maioria dos brasileiros. Se vivemos numa democracia, e democracia é o governo da maioria, que as ideias e ideais dos cristãos sejam parte da discussão.

A retirada de símbolos religiosos – fala-se em símbolos religiosos, porém os símbolos cristãos é que são atacados. Caso um budista tenha em seu gabinete um Buda tamanho real, certamente ninguém se incomodaria e achariam até bonito – é apenas mais uma tentativa de suprimir qualquer menção à religião e ao cristianismo. Levado a sério a retirada de símbolos religiosos de prédios públicos ou de qualquer coisa pública, o Cristo Redentor deveria ser posto ao chão, os Cristos que guardam a entrada da maioria das cidades brasileiras seriam derrubados, a Catedral de Maringá não poderia mais fazer parte do cartão postal da cidade.

O brasileiro é religioso, crê em Deus, acredita na bíblia. Não faz sentido nenhum retirar das discussões a essência do próprio povo que discute.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Injustiça divina


Pensou, pensou, e pensou. Queria, a todo custo, encontrar um elogio – para arriscar um galanteio – à altura daquele rosto que, segundo sua definição inconsciente de beleza, era perfeito. “Linda, perfeita, maravilhosa e afins” conseguiu imaginar e continuou calado. Concluiu que eram demasiadamente grosseiros, quiçá ofensivos, àquela beleza. Era um perfeccionista e preferiu manter-se de boca fechada a escolher a palavras errada. Decidiu continuar sentado e calado, apenas olhando a moça. Parecia injusto Deus ceder tanta beleza a um ser humano só.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Mau cafetão


Ramon era um garoto ingênuo, tímido. Talvez sua falta de atributos físicos o fizesse sentir-se menosprezado. Quando colocado perto de alguma garota, logo calava-se, não dizia uma palavra, como se o que fosse dizer tivesse o potencial de ofender a garotas presente. Ainda que estivesse a fim de uma garota, e por mais que tentasse, na presença feminina suas cordas vocais entravam em greve, até conseguia abrir a boca, mas as palavras teimavam em não sair de lá. Ramon já contava com 18 anos e havia beijado apenas uma meia dúzia de garotas, um pecado nefando para o juízo de sua idade. – “A quantidade de mulheres que beijei não define quem sou!” – repetia Ramon incansavelmente para si mesmo, numa tentativa de consolar seu ego ferido.

Se beijar garotas era um problema para Ramon, sua ainda intacta virgindade era o grande problema de sua vida, a questão a ser resolvida. Inegável que um garoto com 18 anos fique frustrado e decepcionado por ainda não ter provado daquilo que seus colegas gabam-se o tempo todo, como se fosse a conquista mais importante de suas vidas. A fim de manter uma vida social para, possivelmente, conhecer uma garota que topasse ser sua primeira mulher, a primeira a revelar a nudez, Ramon participava de encontros com colegas. Seu incômodo era quando o assunto sexo entrava na pauta. Ouvia, numa mistura de aluno ouvinte com o desprezo de um virgem frustrado, os amigos gabarem-se:

– Ontem levei a fulana para casa!
– Finalizou? – Outro colega perguntava.
– Evidente, rapaz! Comigo não têm essa enrolação! Ou vai para cama comigo, ou tchau! Não pago de namoradinho de rapariga nenhuma!

E, na cabeça de Ramon o dilema começa outra vez: – “Como pode ser tão fácil para eles e tão difícil para mim? Ou eu sou muito feio e mal educado, ou esses caras são demais!” – martirizava-se.

Pouco tempo depois, conheceu, na faculdade, um novo colega, seu nome era Tício. Este era um rapaz educado, de bom papo, simpático, e Ramon, inevitavelmente, estreitou as relações com Tício. Num dia qualquer, Ramon e Tício decidem matar aula e ir ao bar em frente à faculdade. Lá pela sexta garrafa de coragem, digo, de cerveja, Ramon dispara:

– Sabe, Tício, qual é minha maior frustração? – Pergunta com ênfase e, antes do amigo responder, lhe adianta, batendo no peito – Sou virgem! Isso mesmo, ouviu? Sou virgem!
–Ora! – Tício espanta-se – E porque?
– Como assim porque? Sou virgem por um simples motivo: Nenhuma mulher quer se deitar comigo!
– Não acredito nisso. Nos tempos em que vivemos não há mais virgens.
– Pois, então, sou o último!
– Mas como pode? Você é tímido?
– Tímido?! Tímido é pouco! Acho que, na verdade, só estou te falando isso porque o álcool me deu coragem!
– Ora, mas isso é fácil de resolver!
– Fácil nada! Já tentei de tudo. Passei semanas na internet pesquisando maneiras de acabar com essa timidez e não encontrei nada!
– Pois você não precisa de internet, meu amigo, você precisa de mim! – gabou-se.
– E como você vai poder me ajudar?
– Não se preocupe.
Ramon para um pouco e, com o ar questionador que a cerveja fornece, brada: – Olha, rapaz, lhe meto a mão na cara! Eu não sou gay, não, entendeu??
Tício dá uma gargalhada e responde: – Sua besta! Eu também não sou! Vou mexer uns pauzinhos e conseguir uma garota bem ajeitada para você. Espere alguns dias e te aviso.

E, de fato, Tício tratou de encontrar uma mulher para fazer a alegria do recente colega. Tício, apesar da pouca idade, era um malandro na vida, esperto, maquiavélico, engenhoso. Conhecia Cássia, uma garota um tanto sem escrúpulos, que afirmava ter como lema “curtir a vida intensamente”. Cássia era uma bela moça, devia ter seus 23 anos, e dona de um corpo que, por onde passava, despertava os desejos mais primitivos nos homens. Tício liga para Cássia e começa a contar de seu colega. Tício era uma espécie de psicólogo por vocação, pois conhecia a pisque humana como ninguém, e, por isto mesmo, conseguiu despertar em Cássia a vontade de ser a primeira na vida de Ramon. Plano arquitetado, na sala de aula chama Ramon de canto e diz:

– Consegui a mulher pra tu!
– Cara, vou morrer de vergonha. Não sei o que fazer!
– Olha, não tem com o que se preocupar. Eu já falei com ela e contei da sua timidez. Para falar a verdade, ela até achou “bonitinho” você ser tão tímido.
– Já estou tremendo!
– Toma jeito, rapaz! Mas têm uma coisa...
– O que é? – quis saber Ranon
– Ela cobra.
– Uma puta?
– Dobre a língua, Ramon, dobre a língua! Ela faz isso por necessidade. Paga os próprios estudos e precisa de um dinheiro extra.
– Complicado.
– Complicado nada. Escuta: ela é honestíssima e quase ninguém sabe que ela faz isso, sou um dos únicos.
– Mas como ela é? – questiona Ramon, já possuído pelo desejo
– Uma graça, uma querida!
– Está bem, eu topo! Quanto vai ser?
– Cem reais.
– Nossa! Tanto assim? Mas vale essa grana mesmo?
– Se vale? Eu até acho que ela deveria cobrar mais.
– Ok, ok.
– Mas é o seguinte: ela se sente ofendida com o dinheiro. Por isto, em hipótese alguma fale de dinheiro com ela, entendeu? Em hipótese alguma!
– E como eu vou pagar sem falar em dinheiro? Dou a grana mudo?
– Não. Você me entrega e eu deposito o dinheiro na conta dela. Entendido? Nada de falar de dinheiro.
– Perfeitamente!

Ramon vai para casa possuído pelo desejo. Antes de dormir, pensa em Cássia, que ainda nem conhecia. Espera, ansiosamente, a data marcada. Quando chega o dia, Ramon toma um banho digno de um Rajá. Depila-se, ensaboa-se, faz tudo conforme o protocolo. Na hora combinada Ramon aparece no apartamento de Cássia e, com as mãos trêmulas e quase caindo das próprias pernas, toca a campainha. Cássia abre a porta e Ramon rende-se ao óbvio: ela realmente era bonita, uma graça. O rapaz a encontra com uma camisola de dormir, quase diáfana, revelando-lhe a silhueta. O rapaz entra. Ramon sai depois de cerca de 2 horas. Assim que fecha a porta, um sorriso vadio, mas alegre inunda sua face. Está alegre como jamais estivera. Era, de fato, um homem feito. Dá pulos, socos no ar. Para em frente do espelho do elevador e diz, olhando a própria imagem: – “Você é O Cara, Ramon, você!” – e ri como se não houvesse amanhã.

Na faculdade, Tício vai ao encontro de Ramon e pergunta, à queima roupa:

– E então, o que achou da Cássia?
– Uma leoa na cama, se é que me entende. – Ramon responde ainda extasiado com a experiência.
– Eu lhe disse, amigo, eu lhe disse! – afirma Tício, enquanto dá três tapinhas nas costas do colega. – Mas e a grana, trouxe?
– Sim, trouxe. Tome.
– Perfeito. Preciso depositar para ela ainda hoje. Tchau!

A mente de Ramon estava tomada pela luxúria. Pensava em Cássia o tempo todo. Às vezes Ramon julgava ter voltado ao estado primitivo, onde apenas a satisfação dos seus desejos importava. Numa tarde de sábado, desesperado para satisfazer os próprios desejos, telefona para Tício, querendo que ele agende outro encontro com Cássia. Queria ligar diretamente para ela, mas o colega também o advertiu para que não pedisse o número do celular da moça, pois ela se sentiria ofendida, como se Ramon a visse como posse. Tício não atende na primeira tentativa, o que faz Ramon ficar ainda mais ansioso. Na terceira tentativa Tício atende e Ramon é enfático:

– Quero outro encontro com a fulana!
– Mas você vai ter que pagar de novo, Ramon. – Tício pondera
– Não interessa. Dinheiro há! Quero e quero hoje!
– Vai ser complicado conseguir assim, do nada.
– Pois, se conseguir, te dou um trocado!
– Vou ver o que consigo fazer.

Vinte minutos depois o celular de Ramon toca, mas Ramon apenas ouve, sem conseguir encontrar o aparelho. Num ato desesperado, derruba tudo que encontra pela frente para encontrar o celular e, com a sorte de dois segundos, atende:

– Conseguiu??
– Não foi fácil, mas deu certo.
– Isso! Isso!
– Vá ao apartamento dela às 20 horas, nem mais, nem menos, entendido?
– Perfeitamente! Muito obrigado!
– Escuta: Nada de falar de dinheiro ou pedir o telefone, certo?
– Certíssimo! Amanhã lhe dou a grana. – e Ramon desliga o celular.

Ramon olha o relógio e faltam 40 minutos para o encontro. Como um raio, enfiasse no banheiro e começa seu banho de Rajá. Canta, dá risada, dá pulinhos, enquanto toma banho. Por sorte, o apartamento de Cássia não era distante da casa de Ramon. Pontualmente às 20 horas ele toca a campainha do apartamento de Cássia e a cena se repete: camisola diáfana, sorriso bobo, e luxúria. Após o coito, Ramon está deitado na cama, junto de Cássia e sente algo estranho no peito. –  “Apesar de tudo, gosto desta garota! Queria ela pra mim.” – pensou Ramon.

Ramon teve mais cinco ou seis encontros com Cássia, todos agendados por Tício. Numa das vezes Tício tentou aconselhar o colega: – “Cuidado para não se apaixonar, rapaz!”. E na última vez que agendou o encontro, concluiu: – “Esse já era. Tomou o chá.”. E, realmente, Ramon estava apaixonado pela moça. Queria um contato maior com a amada. Num dos encontros, Cássia deixa escapar que também está gostando do rapaz. Ramon, que com Cássia já não era mais tímido, propõe, maravilhado:

– Pois fiquemos juntos, é óbvio!
– Será, meu docinho?
– Não há mistério, minha linda. Olha, sei que você não gosta que toque no assunto, mas...
– Que assunto? Pode falar, não têm problema.
– Ok, até porque você já sabe. Então, é até bom que fiquemos juntos. Meu dinheiro está acabando. – Ramon confessa, meio encabulado.
– Como assim “meu dinheiro está acabando”? – Cássia pergunta, sem entender nada.
– O dinheiro que dou ao Tício e que ele deposita em sua conta.
– Você deve estar doido de amor, Ramon. Eu não recebo dinheiro de ninguém, muito menos de Tício, ora bolas. – Cássia diz, enquanto faz carinhos em Ramon, que parecia sério, pensante.

No sábado Ramon vai até a casa de Tício e o chama pelo celular. Diz que precisa dizer algo ao colega, mas pede que ele leve a carteira até o portão. Sem estranhar, Tício faz o que o colega pede. Assim que Tício abre o portão, Ramon saca um revólver e vara o colega com 4 fatais tiros. Enquanto o colega de faculdade ainda agoniza no chão, Ramon pega a carteira e retira as cédulas que lá estavam, cerca de quatrocentos reais. Guarda o dinheiro no bolso e sai em direção ao encontro com Cássia.

Fugindo do amor


Assim que, sem motivos aparentes, a namorada terminou o namoro, decidiu que nunca mais sofreria por amor. Arrumou as malas, deixou o emprego, abandonou as mulheres e a vida mundana: sumiu! As vizinhas gordas, à beira da calçada, comentavam que o rapaz talvez tivesse dado cabo da própria vida. – Fim de namoro complicado. Ninguém aguenta! – comentavam as vizinhas gordas. Anos passaram-se até que um amigo recebe uma carta, e era do então desaparecido. Na carta, o rapaz escreveu: “Fugi do amor para não sofrer. Hoje sofro por não encontra-lo”.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sinceridade que corrompe


Palmirinha era o que podia se chamar de exceção à regra. Sempre prezou pelos princípios que faziam uma mulher parecer um ser não passível de pecados. Era quase uma imaculada, diziam os vizinhos. E diziam com razão, afinal, a moça jamais saíra com vários homens. Interessava-se por um e, primeiramente, tratava de conhece-lo, de saber quem era. Para conhecer o rapaz pretendente a namorado, constituía quase um inquérito policial. Investigava tudo que podia, na medida certa.

Pobre Palmirinha. Mesmo com toda astúcia, deixava-se levar pela lábia do homem esperto, vivido. Talvez fosse enganada pela vontade de encontrar um namorado, pelo desejo quase que incontrolável de estar junto de alguém, de ter um companheiro. Este cego desejo a iludia e a fazia ver naquele que tivesse uma boa conversa o homem ideal para ela. A prima, e melhor amiga, por vezes advertiu: – “Menina, olha, antes de apaixonar-se, deixe a ilusão de lado! Nunca vi uma garota se apaixonar tão rápido”.

Os alertas da prima não serviam de muito. Passado algum tempo da última decepção amorosa, Palimirinha ligava para a melhor amiga e dava o aviso: – “Amiga, desta vez eu encontrei o homem certo! Fulano sim é homem e sincero, esse é e garanto!”. A prima, às vezes cansada de alertar a amiga, apenas ouvia a conversa e, depois de desligar o celular, apenas lamentava pela prima. Dizia ela em pensamentos: “Coitada de Palmirinha. Uma menina tão dócil e gentil, uma menina que vale ouro, e só conhece homens que não prestam. Minha prima merece algo melhor.”. Ainda reverberando consigo mesma, a prima concluía que o problema estava justamente em procurar um amor a todo custo. Se procuramos muito alguma coisa, queremos encontrá-la a todo custo, acabamos por nos enganar e vemos a coisa onde ela não existe e jamais existirá. – “Cautela na escolha do amor” – a prima bateu o martelo.

Após alguns meses e mais uma decepção amorosa, Palmirinha foi à casa da prima para desabafar – é incrível como gostamos que as outras pessoas saibam da nossa desgraça – e, em meio a lágrimas, disse:

– Porque sempre quebro a cara com os homens, prima? Queria, ao menos uma vez, encontrar alguém decente.
– Sofre por buscar em qualquer um o que existe em poucos: Disposição para amar de verdade e ser fiel. – Respondeu a prima.
– Disposição para amar acredito que todos tenham; fidelidade já duvido. E outra: O que mais me decepciona é a falta de sinceridade. Todos os homens que fizeram algo de errado, negaram até a morte. – Retorquiu Palmirinha.
– Sinceridade também corrompe, amiga, também corrompe! – Ponderou a prima.

Após alguns dias refletindo, Palmirinha prometeu que nunca mais iria atrás de outro homem. Prometeu que esperaria com calma encontrar um rapaz decente. Promessa feita, três ou quatro meses depois – há quem diga que por capricho do destino – conheceu Diógenes. Este, inegavelmente, era um tipo conquistador, era um galã. E, mais importante, Palmirinha encontrou em Diógenes a sinceridade que faltava nos demais que havia conhecido. O rapaz, de fato, era de uma sinceridade perturbadora. Suas falas eram sempre coerentes, jamais contradizendo-se. Se contava uma história hoje, passavam-se meses e anos e a história por Diógenes era repetida igual, nos mínimos detalhes.

Homem sincero encontrado, Palmirinha passou a namorar Diógenes. Como alguns diriam, estavam num relacionamento sério. Estavam felizes como poucas pessoas conseguem ser. E, por este mesmo motivo, eram invejados. – “É fogo de palha! Dá um tempo e vai ver que é fogo de palha!” – praguejavam as senhoras gordas em frente às suas casas. Era como se a ninguém interessasse a felicidade do casal; era como se a diversão macabra da pequena cidade fosse esperar pelo fim do romance.

Mais de seis meses haviam se passado desde o início do namoro. Até a prima que outrora duvidara da duração do namoro, estava contente por sua melhor amiga. Diógenes era apenas mimo com a namorada. Viviam uma eterna paixão, uma lua-de-mel sem fim. Diógenes realmente amava a pequena. Via nela algo especial, uma pureza que buscou em outras mulheres, mas nunca havia encontrado. Em certa ocasião, disse ao pai: – “Quero me casar com ela, pai, quero sim! Amo Palmirinha, mas não sei se sou bom o suficiente para ela. Meus defeitos, com certeza, pesariam na tomada de decisão de minha amada!”. Depois de muito refletir sobre o assunto, Diógenes toma a maior decisão de sua vida: Decide pedir a mão de Palmirinha em casamento!

Programou tudo: Comprou roupa nova, pediu para que os pais saíssem de casa, decorou a casa com um ar tão romântico que o romance tangível, sentia-se pelo olfato, era palpável. Poder-se-ia dizer que o chão jamais havia recebido concreto e cerâmica, pois parecia ser feito unicamente de pétalas de rosas. O cheiro da casa passou a ser viciante. Qualquer um desejaria sentir o odor daquele ninho de amor pelo resto da vida. Até a mulher mais insensível não resistiria ao clima instalado na casa e aceitaria se casar com Diógenes. Pois bem, Diógenes preparou tudo e estava apenas a esperar a amada. Eis que sua futura noiva chega.

Palmirinha chegou meio acanhada, tímida, como se estivesse com alguma preocupação. Diógenes a levou até a sala e, à queima-roupa, fez o pedido de casamento. Palmirinha não respondeu sim ou não, apenas bradou:

– É verdade que você me trai, Diógenes? Diga! É verdade?
– Que ideia é essa, meu amor? Quem te vendeu esse peixe? Diga!
– Minha prima, em quem confiou plenamente, me disse que viu você e outra mulher se beijando e trocando carícias! Diga, é verdade? – Insistiu Palmirinha.

Ver a mulher amada chorando e pedindo a verdade de maneira tão doce e, ao mesmo tempo, pungente, fez com que Diógenes respondesse:

– É verdade, Palmirinha, é verdade e não negarei. Mas insisto que te amo! Nunca amei ninguém e por ti sinto amor verdadeiro! Quero Passar o resto de minha vida contigo!
– Porque fizeste isso comigo? Não acredito! Não quero acreditar! ­– Desesperou-se Palmirinha.
– Sou um homem de virtudes inabaláveis e que já não se encontram em outros homens. – Respondeu Diógenes ­– Porém, eu traio, sou infiel e sempre gostei de ser. Nunca fui homem de apenas uma mulher. Contudo, por você eu estava disposto a mudar. Entretanto, mudar esse comportamento não é tão simples. Te amo e fui um canalha contigo, sei disso! Você não me merece. Sou um patife! Vamos, cuspa na minha cara! Imploro: Cuspa na minha cara!

Palmirinha segurou o rosto de Diógenes entre as mãos, olhou bem em seus olhos e deu-lhe um beijo na boca, um beijo que qualquer cena hollywoodiana ficaria com inveja. Foi o beijo na boca mais sincero, mais entusiasmado de que se teve notícia. Ao final do beijo, Palmirinha disse a Diógenes: – “Aceito teu pedido. Você é o único homem sincero que conheço! Eu te amo!”. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O sorriso



Súbito, percebera algo que o incomodou: Na mesa com 5 presentes, dos quais 3, incluindo ele mesmo, eram homens, e 2 eram mulheres, tudo já estava premeditadamente combinado para depois do fim daquela garrafa de vinho: Sairiam em casal e ele não estava incluso nessa. – "Estou sobrando" – concluiu. Porém, fez de conta que não sabia e continuou a interagir com todos. Após fazer um comentário jocoso, constatou que uma das moças era dona de um sorriso ímpar, intrigante, belo, hipnotizante, e, de imediato, soltou o comentário: – “Que sorriso lindo. Eu seria capaz de ficar aqui parado para sempre, apenas olhando você sorrir!” –. A moça corou a bochecha, e, acanhada, limitou-se a responder: – “Obrigada. Você é muito gentil!”. Rápido na resposta, o rapaz redarguiu: – “Eu que agradeço por nos brincar com seu sorriso maravilhoso!” –. Olhou para o lado e notou que o futuro par da moça não havia gostado de seu comentário; educadamente se despediu de todos e partiu. A moça do sorriso já não queria seu futuro par.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Morto e cheio de amor


Mévio vivia só, gostava de estar sozinho, ouvindo o silêncio, sentindo a paz que a solidão proporciona. Passava dos 37 anos e mantinha o hábito da solidão, adquirido na juventude. Sua vida fora sempre um mistério, ninguém sabia, ao certo, de onde vinha, aonde chegaria, ou o que fazia.  – “Assim é mais seguro” – pensava. O mais eficiente biógrafo não conseguiria registrar os fatos importantes de sua misteriosa vida.

No trabalho, inevitavelmente, alguém, movido pelo inerente interesse pela vida alheia, questionava Mévio acerca de sua vida:

– Então, rapaz, como é? Você sempre morou por aqui? Somos colegas de trabalho e não sei nada sobre ti.
– Melhor assim. Não gosto que saibam sobre mim.
– Mas por quê?
– A maledicência humana me impressiona.

E Mévio não falava apenas da boca para fora. Ninguém podia ver, mas sua alma estava marcada por cicatrizes de um passado de traições, desgostos e decepções. Certa vez, conversando com um já falecido amigo, – talvez seu único amigo – Mévio começa a confessar-se:

– Confio apenas em ti, Ramon, em ninguém mais. Conheço-te há tempos e em ti confio.
– Agradeço por sua confiança, Mévio, mas acho besteira essa sua mania de desconfiar de todos.
– Besteira nada! A vida inteira vi pessoas traírem umas às outras, e também a mim.
– Vemos o que queremos ver. – ponderou Ramon.
– Eu diria: “Vemos o que está estampado na nossa cara” – retrucou Mévio. – E quando falo de traição, não me refiro apenas às traições amoras, dos relacionamentos.
– Não entendi muito bem.
– Olha, escuta: Qualquer relacionamento é baseado em confiança, meu amigo. Até o relacionamento que tenho com o dono do boteco: Só o frequento por confiar no Seu Fulano. E toda vez que alguém quebra essa confiança, trai a outra pessoa que depositou confiança.
Ramon parou por alguns segundos, tentando digerir as ideias do amigo e entende-las, e disse: – O pior é que você têm razão. Eu nunca havia olhado os relacionamentos desta maneira.
– Pois deveria, deveria! – Aconselhou Mévio.

Um acúmulo de frustrações: esse era Mévio. Talvez seu fardo fosse viver sofrendo, se decepcionando. Alguns nascem para amar e serem amados, outros nascem para sofrer o tempo todo, sem exceção. Ainda na infância, os amiguinhos da escola, invariavelmente, o deixavam de canto e, quando pensava ter encontrado um amiguinho, sua confiança era traída, esquecida, violada, desrespeitada. Ainda jovem, nutria esperanças de encontrar alguém em quem confiar, alguém para se confessar, alguém para amar. Encontrou em Ramon os dois primeiros objetivos. O terceiro não era possível, pois amava Ramon, mas como amigo. O amor que desejava era um amor de mulher, um amor de casal. Depois da morte de Ramon, quando Mévio estava com 23 ou 24 anos, as esperanças que depositava no ser humano foram atiradas à lixeira.

Ainda moço, conheceu uma bela mulher, bonita, interessante, esperta e bem resolvida. Aberlarda foi sua paixão momentânea. Mévio sentia na moça um ar de confiança, de esperança, e decidiu namorar a jovem. Fez conforme o protocolo mandava, confessando-se para a moça, contando seus problemas e coisas do tipo. No dia em que foi pedir a moça em namoro, fez questão de sublinhar:

– Olha, Abelarda, quero te dar uma coisa.
– Que lindo, Mévio! O que é?
– Feche os olhos e vire-se que eu vou pegar. – a moça obedece.
– Pronto, pode virar! – diz Mévio.
Mévio fechava as mãos em formato de concha, como se segurasse alguma coisa. Abelarda, maravilhada, imaginava uma aliança ou algum mimo. Devagar, Mévio começa a abrir a mão e Abelarda fica em dúvida, pois não vê nada nas mãos de Mévio, e pergunta:
– Cadê? Não vejo nada!
– O que eu quero te dar não é visível aos olhos da carne; é visível apenas aos olhos da alma. Em minhas mãos está toda a minha confiança e quero que fique com ela. Não saia de casa sem ela, não a deixa esquecida, não derrube, não danifique e nem perca. Lembre-se: Aí está toda a minha confiança, se você perder, não há mais. – E, encenando um gesto de entrega, passa o “vazio” de suas mãos às mãos da namorada.

Já contavam cerca de 4 meses de namoro e, num dia qualquer, um colega de trabalho vira-se para Mévio e diz:

– Olha, se quiser que eu lhe empreste uma grana para te ajudar com aquele problema, não hesite em pedir. Apesar de não te conhecer muito bem, gosto de ti, colega!

Mévio estaca por um tempo e põe as sobrancelhas na posição pensante. Como o colega de trabalho poderia saber de seu problema? Não restavam dúvidas. A única pessoa que sabia do problema era a namorada e a informação só poderia ter vazado de Abelarda. Possesso com a quebra de confiança, liga para a namorada e diz:

– Você perdeu minha confiança e, como eu te disse, não há mais! É o fim. Não há mais nada entre nós e me arrependo de ter havido! – Bate o telefone antes que possa ouvir a resposta da ex-namorada.

Talvez nem o próprio Mévio entendesse os desígnios de seu coração. Inconscientemente, o que Mévio buscava era alguém para amar, alguém para confiar, alguém para lhe fazer companhia. “A solidão é a condenação das almas desgraçadas” estava escrito na parede do quarto de Mévio. O coração deste era bondoso, bem intencionado, cheio de amor verdadeiro e com uma imensa vontade de dar esse amor. Porém, a vida assolou o coração de Mévio até retirar-lhe as forças, até que o rapaz se esquecesse do que era capaz e transformasse o homem em um frustrado, um decepcionado ambulante.

Sem explicação clara, Mévio adoece. Não ia ao médico com muita frequência e preferia brincar de médico com a própria saúde. Quatro dias depois de se medicar e se avaliar, a febre que o acometida era demasiadamente forte, fazendo com que Mévio sequer conseguisse sair da cama. Ao final de uma tarde, em torno das oito e meia da noite, estava delirante de febre e dores. Mas ainda restava-lhe um pingo de consciência. Pingo este que foi o suficiente para Mévio chegar à conclusão: – “Vou morrer!” – disse para si mesmo. Com o mesmo resquício de consciência, comoçou a dialogar com a própria consciência:

– Ninguém deveria morrer como eu: só e sem ninguém para chorar a morte.
– Você escolheu viver desse jeito, meu caro. – Respondeu a consciência.
– Verdade. À beira da morte, não posso negar, à beira da morte apenas as verdades são ditas. Mas não me culpo por inteiro, afinal, sempre traíram minha confiança.
– A culpa é apenas sua, Mévio. Você cometeu um sério pecado: Perdeu a fé no amor. Passou a viver como se o amor e a confiança já não existissem.
– Mas eu sempre busquei a ambos. Porém, não os encontrei.
– Talvez eles estivessem em lugares que você apenas olhou. Se tivesse observado, encontraria.
– Têm razão. Perdi a fé no amor, na confiança e nas pessoas. Ninguém deveria fazer o que fiz. Sempre quis alguém para amar, e amor eu sempre tive para dar. Mas minha descrença fez com que eu guardasse esse amor em meu amargurado coração.

Dez minutos depois morreu. E, naquela cama, sozinho, havia um morto cheio de amor.