segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Amor de morte


– O amor é um câncer! Um câncer, ouviu? – dizia Roberval, entre um gole e outro de cerveja.
– Não diga besteira, rapaz. Sem o amor, o homem está morto e de nada serve! – ponderou o amigo, um apaixonado confesso.
– Diz isso por não imaginar o que é sofrer por amor. Você, sim, ganhou na loteria!
– Não faça exageros!
– Exagero nada. Você vive uma paixão sem fim, sem limite, que nada afeta.
– Eu e Dora nos damos bem, ora essa.
– Sorte a de vocês. Para mim, o amor é câncer: faz mal, mas não sai de dentro de mim. E esse meu câncer me consome. Não consigo matar esse amor.
– E nem deveria! – concluiu o amigo.

E Roberval não era, nem de longe, um exagerado. Aos 26 anos conheceu Dolores, uma garota meiga, linda, encantadora, e apaixonou-se. – Qualquer um se apaixonaria. Viveu um amor intenso por quase dois anos. Amava a pequena mais que a vida, costumava dizer. Dolores, até a data do fim do namoro, também o amava sem limites ou razões lógicas. Contudo, o amor contemporâneo tem prazo de validade e o de Dolores expirou. Toda e qualquer explicação não era suficiente para Roberval entender o fim de um amor, assim, do nada.

O rapaz, com seus 28 anos, havia combinado de ir à casa da namorada, para papear, jogar conversa fora. Chega ao portão e Dolores o recebe com um beijo na boca, sem paixão ardente, mas um beijo na boca. Ambos vão para o quarto e Roberval começa a contar sobre seu dia, mas é interrompido pela namorada:

– Roberval, escuta.
– Pode falar, meu anjo.
– É... é complicado, não sei bem como te dizer.
– Que é isso, Dolores? Sempre fomos íntimos! Para nós dois não há conversa chata ou para ficar com vergonha. Anda, desembucha.
– Tenho medo. Estou insegura. – ela dizia com uma mistura de melíflua e plangência.
– Estou começando a ficar preocupado, meu bem.
– Ok, vou falar.
– Faz bem.
– Eu já não sinto por você o amor que eu sentia, Roberval... – Dolores disse, deixando no ar aquela sensação de insegurança.
Embasbacado, Roberval tenta falar algo, mas as palavras não chegam à sua boca. Ele limita-se a dizer: – Mas como assim? Não estou entendo nada!
– Desculpe, meu anjo. Mas não gosto mais de você. Você sempre foi muito gentil, um doce. Mas meu amor por você acabou.
– Amor não acaba! Se diz que não me ama mais, nunca me amou! O amor não acaba, não acaba!
– Não é, Roberval, não é! Todos amam por um tempo limitado. Não se pode amar a mesma pessoa por mais de dois anos. Uma hora o amor termina. É natural!
– Natural nada! Você nunca me amou. Passou esse tempo todo apenas me enganando, fingindo sentir um amor que nunca existiu. E eu, como um idiota, acreditei e te amei. Ou pior: ainda te amo! Pare com essa ideia, por favor!
– Não posso mandar no meu coração, querido, ele não é movido por razão. Desculpe-me, por favor.
– Como posso desculpar a mulher que partiu meu coração, como?

E, desde então, passou a conviver com um amor unilateral assolando o amargurado coração. As noites eram terríveis. Começou a ter insônia. Não conseguia dormir: passava horas em claro vendo, em mente, Dolores sendo beijada, tocada, possuída por outros homens. “– Meu subconsciente me odeia!” – pensava Roberval, em meio às angústias. Era um martírio diário passar as vinte e quatro horas do dia sentindo um amor sem qualquer chance de ser correspondido, ou melhor, de ser novamente correspondido. Queria, mas não queria, que Dolores voltasse a amá-lo.

No café do trabalho, conversava com o amigo:

– Estou sofrendo como um cachorro e não é justo. Meu crime foi amar Dolores de verdade. Não é justo.
– A vida não é justa, meu amigo.
– Que bela frase, me ajudou muito. – Roberval disse com desdém
– Desculpe, desculpe! Porque não tenta reconquistar Dolores?
– Penso nisso todas as noites, sem exceção.
– Então aja, homem de Deus!
– Não sei, não. Ela disse que já não me amava mais. Como posso confiar que ela voltou a me amar?
– Se ela disser, é certeza, ora essa!
– E desde quando o amor tem uma tomada que liga e desliga, assim, como se fosse luz? – falava enquanto ligava e desligava o interruptor da salinha.
– O amor não é racional, meu filho. Se ainda gosta dela, vá atrás.
– O que eu preciso é esquecer “aquelazinha” – o amigo percebeu que Roberval ainda gostava de Dolores.
– Osso. Boa sorte para vocês! Vai dar tudo certo!
– Obrigado, meu amigo vidente. – despediu-se sem acreditar no otimismo alheio.

Roberval passou dias pesquisando as melhores maneiras para esquecer um amor iludido. Pesquisava na internet, onde há resposta para tudo. Já não dormia e decidiu usar a insônia para encontrar uma solução para seu caso. Já não viam Roberval pela rua, pelos bares, ou por qualquer lugar que ele costumava frequentar. Faltava ao trabalho por não ter acordado na hora. No expediente comentavam:

– Cadê o Roberval? – a faxineira perguntava
– Não o vejo há mais de uma sema! – enfatizava o porteiro
– Parece que enlouqueceu! – mais alguém comentava
– E quem aguenta perder a mulher que ama?
– Coitado. Amava a namorada como um louco e não merecia isso.
– Para mim ele é uma boa de uma besta! Quem manda se meter com os sentimentos?
– Cale a boca, insensível!

Angustiado com o desaparecimento de Roberval, o amigo conselheiro decide ligar para o celular do desaparecido. Para a surpresa de Cauã, o amigo, Roberval atende:

– Alô. – Roberval atendeu com uma voz fraca, tristonha, melancólica.
– Rapaz, como você some assim? Têm gente falando até que você morreu!
– Não faz diferença. Não existo mais para esse mundo.
– Não fale besteiras, cara! Vamos sair, tomar um ar. Isso também faz bem, ouviu?
– Não saio mais da minha casa.
– Posso saber o motivo?
– Se eu encontrar com Dolores, terei um ataque de loucura, com certeza. Esse amor me deixa louco e tenho medo de mim.
– Besteira! Nós vamos a algum lugar que só nós dois conhecemos. Onde não há chance dela estar.
– Agradeço sua solidariedade, mas acho melhor eu continuar em casa. Estou tentando encontrar uma maneira de acabar com esse sentimento. Já tentei de tudo.
– Não tentou sair de casa!
– Isso não ajuda. Se eu vir algum casal feliz sou capaz de cair em prantos no meio da rua e ainda me resta alguma dignidade.
– E o que você tem feito para esquecer seus sentimentos? Se é que isso é possível...
– Acho que posso receber um diploma de bacharel em psicologia. Sei de tudo e nada disso funciona. Alguém deveria voltar no tempo e cuspir na cara de Freud!
– Não diga besteira! Qualquer dia passo na sua casa e te arranco desse buraco! Tchau!
– Perderá seu tempo. Tchau!

E por mais duas semanas não houve qualquer notícia de Roberval. A vizinhança já comentava que o rapaz estava louco de vez. Por vezes, os vizinhos eram acordados em alta madrugada com o barulho de um choro que rasgava o silêncio.  O choro era de desespero, de alguém que já não sabia o que fazer, que apenas sofria. Ao final da terceira semana de desaparecimento voluntário de Roberval, Cauã decide ir até a casa do amigo e retirá-lo daquele ninho de sofrimento, onde não era possível andar sem tropeçar num pedaço do coração de Roberval, partido em milhares de pedacinhos.

Cauã abre o portão da casa e entra, certo de que tirar o amigo daquele lugar seria o melhor a se fazer. Como Roberval morava sozinho, Cauã não chama por ninguém, apenas entra. A porta da frente estava trancada e o amigo vai tentar a porta de trás. Trancada também. Então passa a chamar por Roberval, que não responde. No mínimo estava dormindo, pensou Cauã, que vai até a janela do quarto chamar por Roberval. Sem sucesso outra vez. Tomado de preocupação, Cauã arromba a porta com um único chute e entra. A casa estava entregue à sujeira e ao próprio destino, mas não exala mau cheiro. O clima da casa era frio, pungente e sombrio, digno do lar de um desesperado.

Cauã procura o amigo pelos cômodos e não o encontra. Decide, já com o coração na mão, entrar no quarto de Roberval. Segura a maçaneta firme e começa a abrir lentamente a porta. Quando toma coragem para abrir os olhos, estava tudo escuro e nada conseguia ver. Cauã acende a luz e é tomado pelo desespero. Roberval estava deitado na cama, vestido como se fosse a algum encontro, uma arma estava perto da sua mão, caída no peito; era a arma que Roberval usara para meter uma bala na cabeça. Na parede, em letras garrafais, Roberval havia escrito: “Matei o meu amor por Dolores!”.

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