segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sinceridade que corrompe


Palmirinha era o que podia se chamar de exceção à regra. Sempre prezou pelos princípios que faziam uma mulher parecer um ser não passível de pecados. Era quase uma imaculada, diziam os vizinhos. E diziam com razão, afinal, a moça jamais saíra com vários homens. Interessava-se por um e, primeiramente, tratava de conhece-lo, de saber quem era. Para conhecer o rapaz pretendente a namorado, constituía quase um inquérito policial. Investigava tudo que podia, na medida certa.

Pobre Palmirinha. Mesmo com toda astúcia, deixava-se levar pela lábia do homem esperto, vivido. Talvez fosse enganada pela vontade de encontrar um namorado, pelo desejo quase que incontrolável de estar junto de alguém, de ter um companheiro. Este cego desejo a iludia e a fazia ver naquele que tivesse uma boa conversa o homem ideal para ela. A prima, e melhor amiga, por vezes advertiu: – “Menina, olha, antes de apaixonar-se, deixe a ilusão de lado! Nunca vi uma garota se apaixonar tão rápido”.

Os alertas da prima não serviam de muito. Passado algum tempo da última decepção amorosa, Palimirinha ligava para a melhor amiga e dava o aviso: – “Amiga, desta vez eu encontrei o homem certo! Fulano sim é homem e sincero, esse é e garanto!”. A prima, às vezes cansada de alertar a amiga, apenas ouvia a conversa e, depois de desligar o celular, apenas lamentava pela prima. Dizia ela em pensamentos: “Coitada de Palmirinha. Uma menina tão dócil e gentil, uma menina que vale ouro, e só conhece homens que não prestam. Minha prima merece algo melhor.”. Ainda reverberando consigo mesma, a prima concluía que o problema estava justamente em procurar um amor a todo custo. Se procuramos muito alguma coisa, queremos encontrá-la a todo custo, acabamos por nos enganar e vemos a coisa onde ela não existe e jamais existirá. – “Cautela na escolha do amor” – a prima bateu o martelo.

Após alguns meses e mais uma decepção amorosa, Palmirinha foi à casa da prima para desabafar – é incrível como gostamos que as outras pessoas saibam da nossa desgraça – e, em meio a lágrimas, disse:

– Porque sempre quebro a cara com os homens, prima? Queria, ao menos uma vez, encontrar alguém decente.
– Sofre por buscar em qualquer um o que existe em poucos: Disposição para amar de verdade e ser fiel. – Respondeu a prima.
– Disposição para amar acredito que todos tenham; fidelidade já duvido. E outra: O que mais me decepciona é a falta de sinceridade. Todos os homens que fizeram algo de errado, negaram até a morte. – Retorquiu Palmirinha.
– Sinceridade também corrompe, amiga, também corrompe! – Ponderou a prima.

Após alguns dias refletindo, Palmirinha prometeu que nunca mais iria atrás de outro homem. Prometeu que esperaria com calma encontrar um rapaz decente. Promessa feita, três ou quatro meses depois – há quem diga que por capricho do destino – conheceu Diógenes. Este, inegavelmente, era um tipo conquistador, era um galã. E, mais importante, Palmirinha encontrou em Diógenes a sinceridade que faltava nos demais que havia conhecido. O rapaz, de fato, era de uma sinceridade perturbadora. Suas falas eram sempre coerentes, jamais contradizendo-se. Se contava uma história hoje, passavam-se meses e anos e a história por Diógenes era repetida igual, nos mínimos detalhes.

Homem sincero encontrado, Palmirinha passou a namorar Diógenes. Como alguns diriam, estavam num relacionamento sério. Estavam felizes como poucas pessoas conseguem ser. E, por este mesmo motivo, eram invejados. – “É fogo de palha! Dá um tempo e vai ver que é fogo de palha!” – praguejavam as senhoras gordas em frente às suas casas. Era como se a ninguém interessasse a felicidade do casal; era como se a diversão macabra da pequena cidade fosse esperar pelo fim do romance.

Mais de seis meses haviam se passado desde o início do namoro. Até a prima que outrora duvidara da duração do namoro, estava contente por sua melhor amiga. Diógenes era apenas mimo com a namorada. Viviam uma eterna paixão, uma lua-de-mel sem fim. Diógenes realmente amava a pequena. Via nela algo especial, uma pureza que buscou em outras mulheres, mas nunca havia encontrado. Em certa ocasião, disse ao pai: – “Quero me casar com ela, pai, quero sim! Amo Palmirinha, mas não sei se sou bom o suficiente para ela. Meus defeitos, com certeza, pesariam na tomada de decisão de minha amada!”. Depois de muito refletir sobre o assunto, Diógenes toma a maior decisão de sua vida: Decide pedir a mão de Palmirinha em casamento!

Programou tudo: Comprou roupa nova, pediu para que os pais saíssem de casa, decorou a casa com um ar tão romântico que o romance tangível, sentia-se pelo olfato, era palpável. Poder-se-ia dizer que o chão jamais havia recebido concreto e cerâmica, pois parecia ser feito unicamente de pétalas de rosas. O cheiro da casa passou a ser viciante. Qualquer um desejaria sentir o odor daquele ninho de amor pelo resto da vida. Até a mulher mais insensível não resistiria ao clima instalado na casa e aceitaria se casar com Diógenes. Pois bem, Diógenes preparou tudo e estava apenas a esperar a amada. Eis que sua futura noiva chega.

Palmirinha chegou meio acanhada, tímida, como se estivesse com alguma preocupação. Diógenes a levou até a sala e, à queima-roupa, fez o pedido de casamento. Palmirinha não respondeu sim ou não, apenas bradou:

– É verdade que você me trai, Diógenes? Diga! É verdade?
– Que ideia é essa, meu amor? Quem te vendeu esse peixe? Diga!
– Minha prima, em quem confiou plenamente, me disse que viu você e outra mulher se beijando e trocando carícias! Diga, é verdade? – Insistiu Palmirinha.

Ver a mulher amada chorando e pedindo a verdade de maneira tão doce e, ao mesmo tempo, pungente, fez com que Diógenes respondesse:

– É verdade, Palmirinha, é verdade e não negarei. Mas insisto que te amo! Nunca amei ninguém e por ti sinto amor verdadeiro! Quero Passar o resto de minha vida contigo!
– Porque fizeste isso comigo? Não acredito! Não quero acreditar! ­– Desesperou-se Palmirinha.
– Sou um homem de virtudes inabaláveis e que já não se encontram em outros homens. – Respondeu Diógenes ­– Porém, eu traio, sou infiel e sempre gostei de ser. Nunca fui homem de apenas uma mulher. Contudo, por você eu estava disposto a mudar. Entretanto, mudar esse comportamento não é tão simples. Te amo e fui um canalha contigo, sei disso! Você não me merece. Sou um patife! Vamos, cuspa na minha cara! Imploro: Cuspa na minha cara!

Palmirinha segurou o rosto de Diógenes entre as mãos, olhou bem em seus olhos e deu-lhe um beijo na boca, um beijo que qualquer cena hollywoodiana ficaria com inveja. Foi o beijo na boca mais sincero, mais entusiasmado de que se teve notícia. Ao final do beijo, Palmirinha disse a Diógenes: – “Aceito teu pedido. Você é o único homem sincero que conheço! Eu te amo!”. 

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