quinta-feira, 7 de julho de 2011

E, então, eu tive nome

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Já repeti inúmeras vezes e repito uma vez mais: Eu fui um adolescente idiota! Sem escrúpulos, afirmo que não deveria haver adolescentes com as mesmas atitudes que as minhas. Não, não fui um traficante de drogas. Mas não dava a mínima para os estudos, não lia; não refletia. Isso já é o bastante para ser um idiota. Um idiota útil, diria. Pois bem, o tempo passou-se e, com o esforço do brasileiro, fui aprovado no curso de Direito.

Confesso que, súbito, senti uma tremenda vontade de estudar e aprender o Direito. E foi o que fiz! Estudava bastante, muito, mesmo. E estudava na sala de audiências do Juizado Especial de Mirante, onde fiz estágio por mais de um ano. Voltemos um pouco no tempo: Antes mesmo de iniciar o primeiro dia de aula, tive a certeza de que deveria conseguir um estágio. Fui investigar algum estágio. Meu avô, com sua destreza de septuagenário, conversou com um de seus amigos, o Ronaldo Queiroz, que à época era – enquanto escrevo, ainda é, mas vai saber em que data você está lendo – Diretor de Serviço do Juizado. Consegui o estágio. Também o consegui por ter de cumprir 24 horas de serviços comunitários para a prefeitura para ter 50% de desconto na mensalidade da faculdade. Mas, enfim.

Como já disse, comecei tímido, como um garoto nu no pátio da escola. Ficava sentado numa cadeira esperando, ansiosamente, que alguém desse uma tarefa para eu cumprir. Com o tempo, e com a irreverência dos colegas de trabalho (Giselda, Serginho, Layla, Ronaldo e Thiago) fui me sentindo mais à vontade. Esforcei-me de verdade a cada dia para realizar melhor as tarefas. Até que um dia tive boa idéia: Levar meus livros e estudar na sala de audiências. Comecei de pouco em pouco. Ainda não havia adquirido o hábito da leitura. Ler era penoso, uma atividade que requeria mais esforço que um treino de Jiu-Jitsu. Contudo, obriguei-me a ler e a estudar. Eu decidi que deveria estudar. Passaram-se algumas semanas e eu já conseguia passar três horas seguidas, lendo sem parar, sem respirar ou piscar.

Por vários meses continuei minha investida no estudo pesado. Havia dias, principalmente durante a semana de provas, que eu só saia da sala de audiências para respirar um pouquinho. Ficava solitário naquela sala, com uma mesa enorme e café à vontade. Bom, não estava tão só. Afinal, alguns me observavam, sim. Quando não estava estudando, lembro da Layla me ensinando a cumprir os processos. Intimar daqui, citar de lá... Até que eu sou, ou era, ou continuo sendo, bom em cumprir processos. Conseguia fazer pilhas de processos parados desaparecerem em horas. E me sentia bem por estar ajudando os que me ajudavam.

Foi no dia em que o Lincoln apareceu no cartório para conversar com o Ronaldo sobre a possibilidade dele também ser estagiário do Juizado pela prefeitura. Eu estava no computador do Serginho cumprindo os processos, quando, súbito, ouço o Ronaldo dizer: “... o Marco, por exemplo, ele já faz trabalho de escrevente, mesmo!” Aquilo vez com que o canto do meu lábio se erguesse numa satisfação sem par. Meu trabalho era reconhecido. Alguém o observara. Ouvir aquelas palavras foi melhor do que ganhar um salário pelo trabalho. Foi, sim.

 Mas o tempo passou e chegou a minha hora de deixar o Juizado. Eu havia conseguido a vaga para trabalhar como Escrevente do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Mirante do Paranapanema. Ahhh, como eu estava feliz. Colhia frutos pelo meu esforço. Tive a certeza de que valeu a pena ter ficado trancado na sala de audiência estudando igual louco. Estudando num dia normal como se fosse a prova final, o Exame da OAB. Sim, valeu a pena!  Minha hora chegou e deixei o juizado, triste de deixar aquele lugar, porém contente em receber um salário a partir do mês seguinte. (O dinheiro compra até o amor verdadeiro, dizia Nelson Rodrigues).

Pois bem, já não estava mais no Juizado. Agora eu trabalhava – e ainda trabalho – como escrevente do RI. Sentia, e ainda sinto, saudades dos velhos tempo de Juizado. Mas eram dias de Copa do Mundo. O Brasil estava, mais do que nunca, desacreditado. Com jogadores fantásticos, nosso querido Dunga resolveu levar uma cambada de pernas-de-pau, com exceção de um ou outro. Resolvi assistir os jogos na casa do meu avô septuagenário. Seus amigos velhos também iriam, e eu adoro conversar com gente velha. Não me lembro a qual jogo assistíamos, mas me lembro que bebemos muita cerveja.

O jogo terminou e duas ou três horas depois ainda bebíamos cerveja. Era como se o freezer, por um milagre, criasse garrafas geladas. Lembro-me bem que o Ronaldo Queiroz ainda foi buscar uma peça de cupim para comermos. Lembro-me até do gosto! Pois bem, conversa vai, conversa vem. Quando alguém toma a quantidade de cerveja que já havíamos tomado, acredite: Se conversa de tudo, tudo. Depois de muita conversa jogada fora, não me lembro por qual motivo, o assunto da conversa foi o Marco Aurélio. Sim, eu.

Lembro-me, lembro-me, sim! Foi porque meu avô buscou uma carta que eu havia enviado a ele. Eu mesmo coloquei a carta na caixa de correios dele. No envelope estava escrito: “Prestação de contas. Será que o investimento está dando resultado?” Dentro do envelope, havia a relação das minhas notas do 3º Termo do curso de Direito. Meu avô exibia para seus amigos, sem modéstia alguma, as notas que seu neto havia conseguido. Lembro-me, inclusive, de ver uma lágrima rolando de seus olhos enquanto ele falava. Mais uma vez, todo meu esforço tinha valido a pena. Uma vez mais! Confesso que me deleitava com a reação dos amigos de meu avô ao verem minhas notas.

Foi quando o Ronaldo Queiroz começou a falar dos tempos que eu fiz estágio com ele. Numa investida ele disse: “Eram cinco horas de estudo por dia! Duas pela manhã e três durante a tarde!” Falou muitas coisas, inclusive uma engraçada: “Tenho certeza, Marquinho ainda será o Presidente do Brasil!” Todos riram, inclusive eu. Não quero ser presidente do Brasil, Ronaldo (risos). Coisas bonitas foram ditas e só fizeram meu desejo de estudar aumentar. Mas nenhuma delas, nada do que foi dito, foi tão marcante naquele dia de Jogo do Brasil e Boemia quanto as palavras que o Queiroz disse depois. As palavras ditas por ele, sim, com toda a certeza, fizeram eu sentir que vale a pena ser um otário e se dedicar à vida intelectual. Entre um copo de cerveja e uma beliscada no cupim, Ronaldo disse: “Olha, rapaz, você entrou no Juizado como o neto do Seu Chicão. Mas saiu de lá como o Marco Aurélio!”.