Um conto baseado na belíssima canção “Me dê motivo”,
do saudoso Tim Maia.
Natanael era um apaixonado confesso, desses que já
nascem amando. O rapaz, que contava cerca de 27 anos, amou loucamente suas duas
ou três namoradas anteriores. Para muitos, era tido como um leviano que não
media as consequências de amar tão intensamente. A Natanael nada disso
importava, pois só tinha olhos para sua nova e belíssima namorada: Jovelina.
Esta, menina sapiente, de família bem formada e sólida, à época era uma garota
de seus 21 anos. Inegável que o casal estava apaixonado e Natanael, numa
conversa com um primo, não fazia questão de esconder o fato:
– É isso mesmo que eu estou dizendo, Pacheco: amo
aquela pequena!
– Não estou dizendo o contrário, meu primo. Estou
dizendo que você deve ter mais cuidado ao amar. Devemos viver o amor, mas com
cautela.
– Ter cautela para amar? – Natanael retorquiu. – Não
tenha cautela no amor e faço questão de não ter! Pode parecer engraçado, mas eu
sinto – e fico pensando – que amo Jovelina e que ela também me ama!
– Pode até ser e eu não estou dizendo o contrário –
Pacheco advertiu. – Mas você precisa de mais! Precisa encontrar algo mais para
a sua vida!
– Discordo totalmente. Eu já encontrei tudo o que a
vida poderia me oferecer: Jovelina e o amor.
– Como você é ingênuo, meu primo! E o que pretende
fazer com “tudo isso”?
– Já tenho os meus planos. Chega uma hora que o homem
precisa sossegar e a minha hora chegou. A partir do amor que une Jovelina a
mim, eu construí os meus sonhos, construí castelos. Eu criei um mundo de
encanto onde tudo é belo! Tudo é belo, compreendeu?
– Olha, meu querido primo, invejo-te por ser tão
otimista e por ter tanto amor. Um calejado, como eu, já não tem muito amor no
peito. Mas já tive amor demasia para dar e vivi a experiência que você está
vivendo. O que posso lhe dizer – e que sirva como conselho – é que você vive
esse mundo de encantos por tempo determinado. Você vai viver seu mundo de
encantos onde tudo é belo até o dia em que a mulher que você ama vacilar e por
tudo a perder. Não há remédio: ela vai por tudo a perder! Não tenha dúvida!
Natanael, como dito no início, era um louco
apaixonado, mas conservava a virtude da cautela. Como se fossem tangíveis, o
rapaz apanhou as palavras do primo e guardou-as no bolso, para, quiçá,
refletir. Mas quem é que consegue
refletir sobre alguma coisa quando o ser amado está por perto? A verdade é que
Natanael era cego de paixão. O rapaz amava com todas as forças e com todo o
coração. Dizia ele que só poderia amar se fosse numa total entrega. Mesmo
inconscientemente, o que Natanael pensava era que, se usasse todo o amor de seu
coração de uma só vez, e fosse magoado, não teria problema, afinal, depois da
decepção, já não restaria amor para martiriza-lo. Se o rapaz estava certo ou
não, não nos interessa.
Jocelina, a bela e jovem Jovelina. Sua beleza era
algo intrigante: não usava maquiagens. Ou melhor: usava apenas um lápis no
olho, se muito. E, mesmo com a escassez de pintura, era dona de um rosto sem
igual, um rosto feito sob encomenda. A beleza de Jovelina, diziam alguns, era
algo em busca de definição, pois nenhuma palavra conhecida pela língua dos
homens poderia ser um adjetivo à altura. Incontestavelmente, Jovelina era bela
e não mais discutirei sua beleza. Era bela, mas ainda jovem demais para compreender
a profundidade do amor, a profundidade de um Natanael. Movida pela ingenuidade
juvenil, no que tange ao amor, disse para Natanael, no meio de um desses
encontros de namorado:
– Natanael, querido... – Jovelina disse melancólica,
talvez com vergonha ou medo do que diria.
– Pode falar, minha linda.
– Não vou dar rodeios: acho melhor terminarmos nosso
namoro.
Caindo das nuvens e sem saber o que fazer, Natanael
apenas perguntou: – Mas terminar? Porque terminar o namoro?
– Eu não sei direito, Natanael. Parece que já não há
mais nada entre nós. Acho melhor terminarmos.
– Não há nada entre nós? – Indignou-se – Eu te amo
como nunca, nós nos damos bem e você diz que não há nada entre nós?!
– Eu não sei
explicar, Natanael. Desculpe-me.
– Não posso desculpá-la. Eu quero um motivo. Vamos,
me dê motivo!
– Não há motivo. Só não quero mais namorar com você.
Acho melhor você ir.
– Me dê motivo para ir embora! – Natanael fala
olhando para o céu – Oh, Deus! Estou vendo a hora de perder minha namorada!
– Por favor, Natanael, não torne as coisas mais
difíceis para mim!
– Difíceis para você, Jovelina? Tu és a mulher que eu
amo e assim, do nada, diz que devemos terminar e que eu devo ir! Um motivo,
Jovelina, eu imploro-lhe apenas um único, escasso, u humilhante motivo. Mas me
dê motivo! – Natanael sente uma tremenda vontade de chorar, mas engole o
pranto.
– Não tenho motivos para dar-lhe.
– Acho que só resta-me ir embora. O que fazer? Eu
vou, mas não faz sentido... – Àquela altura, Natanael já não conseguia esconder
o choro e acabou rompendo-se num pranto quase infantil, mas um pranto
verdadeiro e comovente, um pranto que, ao invés de derramar lágrimas, derramava
pequenas partes do recém-partido coração. Até o mais frio dos homens choraria,
afinal, é nessa hora que o homem chora.
– Não chore, Natanael, não chore. Eu não queria
magoá-lo! – Em vão, Jocelina tentou consolar o inconsolável Natanael.
– A dor... – Entre prantos, Natanael disse – A dor é
forte demais para mim!
– Acredite: Para mim também é uma dor forte.
– Mentira sua, Jocelina. – Recompondo-se do choro,
ele pergunta: – É isso mesmo que você deseja? Deseja que terminemos o namoro?
Mas, antes que responda, eu advirto-a: caso a resposta seja que “sim”, não terá
mais volta.
– É isso mesmo que eu desejo, Natanael. Infelizmente,
é isso mesmo!
Natanael busca forças para dar a sentença de fim de
namoro. Mas uma sentença digna de um romântico. Como era um perfeccionista e
gostava de falar para que não houvesse dúvidas, por algum tempo ficou calado e
apenas pensando. De repente, toma fôlego e diz à ex-namorada:
– Não tenho como mudar sua opinião e não desejo ter
ao meu lado alguém que não me deseje. E, já que você quis assim, tudo bem, sem
problemas. Mas é cada um para o seu lado. Não vou ficar triste, pois a vida é
assim mesmo. Quer saber de uma coisa? Eu perdi meu tempo com você, Jocelina.
Perdi tempo amando alguém que não me amava.
– Eu te amei! – Jocelina interrompeu.
– Não fale, apenas escute. Você não me amou. O amor
não pode acabar de repente e sem um motivo digno. Mas, tudo bem, sem problema
algum. Como eu disse, é cada um para o seu lado. Entretanto, eu peço que não
mais me procure, pois eu vou atrás de alguém melhor que você e tenho a certeza
de que encontrarei!
– Natanael...
– Sinceramente, eu espero que seja feliz nesse seu
novo caminho, afinal, ficar contigo já não faz mais sentido. Vai ser melhor
assim.
Afogado numa tristeza inenarrável, Natanael meio que
sumiu da vida de Jocelina. O desejo do rapaz era, a todo custo, esquecer a
pequena que amara, matar as lembranças dos bons momentos que passaram juntos.
Contudo, Natanael sabia que as lembranças são imortais e não admitem serem
esquecidas. O máximo que o rapaz poderia fazer era escondê-las em algum lugar
da cabeça. Porém – sempre há um porém – elas ficariam algures esperando o
estímulo certo para tomarem vida novamente. Entre os conhecidos de Jocelina,
ninguém, há pelo menos três meses, havia visto ou tido notícias de Natanael.
Fato este que despertou na moça preocupação para com o ex-namorado. – “E se ele
tiver acabado com a própria vida?” – devaneava. A verdade é que Natanael,
apesar das feridas que a vida lhe causara, era um apaixonado pelo ato de viver
e jamais acabaria com a própria vida.
A pontada de preocupação de Jovelina – sabe-se lá por
que – pouco a pouco foi transformando-se em amor. Aquele amor, que ela jurava
ter acabado, queimava num fogo diáfano, ainda em brasas, quase sem força. Ao
sentir-se preocupada com o paradeiro do ex-namorado, Jovelina, sem saber,
nutriu a ínfima labareda que ardia discreta, escondida, esperando a fagulha
certa para voltar a queimar como se fosse um incêndio de amor. E, neste
incêndio, Jocelina queimou-se por inteira e se viu novamente apaixonada pelo
homem que outrora pediu que deixasse a sua vida. Desesperada de amor, teve a
certeza que o melhor a ser fazer era encontrar Natanael novamente e pedir-lhe
para voltar a namorar. E foi o que Jovelina fez.
Após algumas pesquisas, descobriu o paradeiro do
desiludido Natanael. Diga-se de passagem, Jovelina não era exceção e não sabia
como dar início à conversa. Trancada no próprio quarto, ensaiou incansavelmente
todo o discurso. Fazia gestos, caras e bocas. Precisa decorar o roteiro e
torcer para que Natanael o seguisse. Pois bem, três dias depois dos ensaios,
Jovelina tomou toda a coragem do mundo e, de cara lisa, foi parar de frente à
porta da casa do ex. Desejando a volta do relacionamento, mas com medo da
conversa, ela chama o rapaz. Assim que vê Jovelina parada na calçada, Natanael
não acredita na cena, mas, como um bom moço educado, foi atender e ouvir o que
a ex-namorada tinha a dizer. Sem hesitar, Jovelina dispara:
– Perder-te foi um erro enorme, Natanael! Volte para
mim, por favor! – Jovelina dizia quase suplicando o perdão de Natanael.
– Calma lá! – Natanael ponderou. – Você não pode,
depois de tudo que me fez, aparecer aqui e simplesmente pedir para voltar!
– Eu sei que errei, mas perdoe-me!
– Me dê motivo para perdoá-la, Jovelina. Me dê
motivo! Você fez um jogo sujo comigo.
– Eu me arrependo! Você ainda gosta de mim? –
Jocelina falava parecendo que fazia uma aposta.
– Não posso esconder: eu ainda gosto um pouco de ti.
Mas agora eu fujo para não sofrer! Escuta: eu fui mais que seu namorado, eu fui
seu amigo! Te dei o mundo!
– Eu sei e sinto falta de tudo isso!
– Você não soube dar valor. Você foi fundo e quis me
perder.
Em meio ao choro, Jocelina diz: – Eu te amo e sei que
é de verdade!
– É uma pena, pois agora é tarde e não tem mais
jeito! Para o seu defeito, para o seu erro, não há perdão! Por favor, saia
daqui. Eu vou à luta que é a vida curta. Não quero voltar a namorar com você.
Não vale a pena sofrer em vão!
– Eu sei que fiz errado, Natanael, mas quero uma
chance para fazer certo!
– Pode crer. Você pôs tudo a perder! Tínhamos um
mundo lindo pela frente e você pôs tudo a perder!
– Fui ingênua!
– Ingênua ou não, você não podia me fazer o que fez.
E, por mais que tente negar, terminou tudo sem motivo. Me dê motivo!
– Olhe no seu coração e encontre a melhor opção,
Natanael! Eu te amo!
– Tudo bem, vou olhar. Podes crer. Olhei e te digo:
eu vou sair por aí e mostrar que posso, sim, ser bem feliz. E de uma coisa eu
tenho certeza: vou encontrar alguém que saiba me dar motivo! Me dar motivo. Era
só o que você precisa ter me dado: motivo.
Nossa! Quanta criatividade que vc tem!
ResponderExcluirFicou muito bom sem contar que eu adoro essa musica!! Tima Maia deve estar orgulhoso rsrsrsrsrs