quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Me dê motivo


Um conto baseado na belíssima canção “Me dê motivo”, do saudoso Tim Maia.

Natanael era um apaixonado confesso, desses que já nascem amando. O rapaz, que contava cerca de 27 anos, amou loucamente suas duas ou três namoradas anteriores. Para muitos, era tido como um leviano que não media as consequências de amar tão intensamente. A Natanael nada disso importava, pois só tinha olhos para sua nova e belíssima namorada: Jovelina. Esta, menina sapiente, de família bem formada e sólida, à época era uma garota de seus 21 anos. Inegável que o casal estava apaixonado e Natanael, numa conversa com um primo, não fazia questão de esconder o fato:

– É isso mesmo que eu estou dizendo, Pacheco: amo aquela pequena!
– Não estou dizendo o contrário, meu primo. Estou dizendo que você deve ter mais cuidado ao amar. Devemos viver o amor, mas com cautela.
– Ter cautela para amar? – Natanael retorquiu. – Não tenha cautela no amor e faço questão de não ter! Pode parecer engraçado, mas eu sinto – e fico pensando – que amo Jovelina e que ela também me ama!
– Pode até ser e eu não estou dizendo o contrário – Pacheco advertiu. – Mas você precisa de mais! Precisa encontrar algo mais para a sua vida!
– Discordo totalmente. Eu já encontrei tudo o que a vida poderia me oferecer: Jovelina e o amor.
– Como você é ingênuo, meu primo! E o que pretende fazer com “tudo isso”?
– Já tenho os meus planos. Chega uma hora que o homem precisa sossegar e a minha hora chegou. A partir do amor que une Jovelina a mim, eu construí os meus sonhos, construí castelos. Eu criei um mundo de encanto onde tudo é belo! Tudo é belo, compreendeu?
– Olha, meu querido primo, invejo-te por ser tão otimista e por ter tanto amor. Um calejado, como eu, já não tem muito amor no peito. Mas já tive amor demasia para dar e vivi a experiência que você está vivendo. O que posso lhe dizer – e que sirva como conselho – é que você vive esse mundo de encantos por tempo determinado. Você vai viver seu mundo de encantos onde tudo é belo até o dia em que a mulher que você ama vacilar e por tudo a perder. Não há remédio: ela vai por tudo a perder! Não tenha dúvida!

Natanael, como dito no início, era um louco apaixonado, mas conservava a virtude da cautela. Como se fossem tangíveis, o rapaz apanhou as palavras do primo e guardou-as no bolso, para, quiçá, refletir.  Mas quem é que consegue refletir sobre alguma coisa quando o ser amado está por perto? A verdade é que Natanael era cego de paixão. O rapaz amava com todas as forças e com todo o coração. Dizia ele que só poderia amar se fosse numa total entrega. Mesmo inconscientemente, o que Natanael pensava era que, se usasse todo o amor de seu coração de uma só vez, e fosse magoado, não teria problema, afinal, depois da decepção, já não restaria amor para martiriza-lo. Se o rapaz estava certo ou não, não nos interessa.

Jocelina, a bela e jovem Jovelina. Sua beleza era algo intrigante: não usava maquiagens. Ou melhor: usava apenas um lápis no olho, se muito. E, mesmo com a escassez de pintura, era dona de um rosto sem igual, um rosto feito sob encomenda. A beleza de Jovelina, diziam alguns, era algo em busca de definição, pois nenhuma palavra conhecida pela língua dos homens poderia ser um adjetivo à altura. Incontestavelmente, Jovelina era bela e não mais discutirei sua beleza. Era bela, mas ainda jovem demais para compreender a profundidade do amor, a profundidade de um Natanael. Movida pela ingenuidade juvenil, no que tange ao amor, disse para Natanael, no meio de um desses encontros de namorado:

– Natanael, querido... – Jovelina disse melancólica, talvez com vergonha ou medo do que diria.
– Pode falar, minha linda.
– Não vou dar rodeios: acho melhor terminarmos nosso namoro.
Caindo das nuvens e sem saber o que fazer, Natanael apenas perguntou: – Mas terminar? Porque terminar o namoro?
– Eu não sei direito, Natanael. Parece que já não há mais nada entre nós. Acho melhor terminarmos.
– Não há nada entre nós? – Indignou-se – Eu te amo como nunca, nós nos damos bem e você diz que não há nada entre nós?!
 – Eu não sei explicar, Natanael. Desculpe-me.
– Não posso desculpá-la. Eu quero um motivo. Vamos, me dê motivo!
– Não há motivo. Só não quero mais namorar com você. Acho melhor você ir.
– Me dê motivo para ir embora! – Natanael fala olhando para o céu – Oh, Deus! Estou vendo a hora de perder minha namorada!
– Por favor, Natanael, não torne as coisas mais difíceis para mim!
– Difíceis para você, Jovelina? Tu és a mulher que eu amo e assim, do nada, diz que devemos terminar e que eu devo ir! Um motivo, Jovelina, eu imploro-lhe apenas um único, escasso, u humilhante motivo. Mas me dê motivo! – Natanael sente uma tremenda vontade de chorar, mas engole o pranto.
– Não tenho motivos para dar-lhe.
– Acho que só resta-me ir embora. O que fazer? Eu vou, mas não faz sentido... – Àquela altura, Natanael já não conseguia esconder o choro e acabou rompendo-se num pranto quase infantil, mas um pranto verdadeiro e comovente, um pranto que, ao invés de derramar lágrimas, derramava pequenas partes do recém-partido coração. Até o mais frio dos homens choraria, afinal, é nessa hora que o homem chora.
– Não chore, Natanael, não chore. Eu não queria magoá-lo! – Em vão, Jocelina tentou consolar o inconsolável Natanael.
– A dor... – Entre prantos, Natanael disse – A dor é forte demais para mim!
– Acredite: Para mim também é uma dor forte.
– Mentira sua, Jocelina. – Recompondo-se do choro, ele pergunta: – É isso mesmo que você deseja? Deseja que terminemos o namoro? Mas, antes que responda, eu advirto-a: caso a resposta seja que “sim”, não terá mais volta.
– É isso mesmo que eu desejo, Natanael. Infelizmente, é isso mesmo!

Natanael busca forças para dar a sentença de fim de namoro. Mas uma sentença digna de um romântico. Como era um perfeccionista e gostava de falar para que não houvesse dúvidas, por algum tempo ficou calado e apenas pensando. De repente, toma fôlego e diz à ex-namorada:

– Não tenho como mudar sua opinião e não desejo ter ao meu lado alguém que não me deseje. E, já que você quis assim, tudo bem, sem problemas. Mas é cada um para o seu lado. Não vou ficar triste, pois a vida é assim mesmo. Quer saber de uma coisa? Eu perdi meu tempo com você, Jocelina. Perdi tempo amando alguém que não me amava.
– Eu te amei! – Jocelina interrompeu.
– Não fale, apenas escute. Você não me amou. O amor não pode acabar de repente e sem um motivo digno. Mas, tudo bem, sem problema algum. Como eu disse, é cada um para o seu lado. Entretanto, eu peço que não mais me procure, pois eu vou atrás de alguém melhor que você e tenho a certeza de que encontrarei!
– Natanael...
– Sinceramente, eu espero que seja feliz nesse seu novo caminho, afinal, ficar contigo já não faz mais sentido. Vai ser melhor assim.

Afogado numa tristeza inenarrável, Natanael meio que sumiu da vida de Jocelina. O desejo do rapaz era, a todo custo, esquecer a pequena que amara, matar as lembranças dos bons momentos que passaram juntos. Contudo, Natanael sabia que as lembranças são imortais e não admitem serem esquecidas. O máximo que o rapaz poderia fazer era escondê-las em algum lugar da cabeça. Porém – sempre há um porém – elas ficariam algures esperando o estímulo certo para tomarem vida novamente. Entre os conhecidos de Jocelina, ninguém, há pelo menos três meses, havia visto ou tido notícias de Natanael. Fato este que despertou na moça preocupação para com o ex-namorado. – “E se ele tiver acabado com a própria vida?” – devaneava. A verdade é que Natanael, apesar das feridas que a vida lhe causara, era um apaixonado pelo ato de viver e jamais acabaria com a própria vida.

A pontada de preocupação de Jovelina – sabe-se lá por que – pouco a pouco foi transformando-se em amor. Aquele amor, que ela jurava ter acabado, queimava num fogo diáfano, ainda em brasas, quase sem força. Ao sentir-se preocupada com o paradeiro do ex-namorado, Jovelina, sem saber, nutriu a ínfima labareda que ardia discreta, escondida, esperando a fagulha certa para voltar a queimar como se fosse um incêndio de amor. E, neste incêndio, Jocelina queimou-se por inteira e se viu novamente apaixonada pelo homem que outrora pediu que deixasse a sua vida. Desesperada de amor, teve a certeza que o melhor a ser fazer era encontrar Natanael novamente e pedir-lhe para voltar a namorar. E foi o que Jovelina fez.

Após algumas pesquisas, descobriu o paradeiro do desiludido Natanael. Diga-se de passagem, Jovelina não era exceção e não sabia como dar início à conversa. Trancada no próprio quarto, ensaiou incansavelmente todo o discurso. Fazia gestos, caras e bocas. Precisa decorar o roteiro e torcer para que Natanael o seguisse. Pois bem, três dias depois dos ensaios, Jovelina tomou toda a coragem do mundo e, de cara lisa, foi parar de frente à porta da casa do ex. Desejando a volta do relacionamento, mas com medo da conversa, ela chama o rapaz. Assim que vê Jovelina parada na calçada, Natanael não acredita na cena, mas, como um bom moço educado, foi atender e ouvir o que a ex-namorada tinha a dizer. Sem hesitar, Jovelina dispara:

– Perder-te foi um erro enorme, Natanael! Volte para mim, por favor! – Jovelina dizia quase suplicando o perdão de Natanael.
– Calma lá! – Natanael ponderou. – Você não pode, depois de tudo que me fez, aparecer aqui e simplesmente pedir para voltar!
– Eu sei que errei, mas perdoe-me!
– Me dê motivo para perdoá-la, Jovelina. Me dê motivo! Você fez um jogo sujo comigo.
– Eu me arrependo! Você ainda gosta de mim? – Jocelina falava parecendo que fazia uma aposta.
– Não posso esconder: eu ainda gosto um pouco de ti. Mas agora eu fujo para não sofrer! Escuta: eu fui mais que seu namorado, eu fui seu amigo! Te dei o mundo!
– Eu sei e sinto falta de tudo isso!
– Você não soube dar valor. Você foi fundo e quis me perder.
Em meio ao choro, Jocelina diz: – Eu te amo e sei que é de verdade!
– É uma pena, pois agora é tarde e não tem mais jeito! Para o seu defeito, para o seu erro, não há perdão! Por favor, saia daqui. Eu vou à luta que é a vida curta. Não quero voltar a namorar com você. Não vale a pena sofrer em vão!
– Eu sei que fiz errado, Natanael, mas quero uma chance para fazer certo!
– Pode crer. Você pôs tudo a perder! Tínhamos um mundo lindo pela frente e você pôs tudo a perder!
– Fui ingênua!
– Ingênua ou não, você não podia me fazer o que fez. E, por mais que tente negar, terminou tudo sem motivo. Me dê motivo!
– Olhe no seu coração e encontre a melhor opção, Natanael! Eu te amo!
– Tudo bem, vou olhar. Podes crer. Olhei e te digo: eu vou sair por aí e mostrar que posso, sim, ser bem feliz. E de uma coisa eu tenho certeza: vou encontrar alguém que saiba me dar motivo! Me dar motivo. Era só o que você precisa ter me dado: motivo.

Um comentário:

  1. Nossa! Quanta criatividade que vc tem!
    Ficou muito bom sem contar que eu adoro essa musica!! Tima Maia deve estar orgulhoso rsrsrsrsrs

    ResponderExcluir