terça-feira, 17 de julho de 2012

Bandolins


Partimos em dezembro de 2002 ou 2003, não me lembro ao certo. O destino da viagem consigo recordar: Venda Nova do Imigrante, Espírito Santo, cidadezinha perto da capital Vitória. A viagem era a primeira em família que eu tenho memória, pois a tenra idade não me permite ter acesso às lembranças das viagens anteriores. Pois bem. Eufórico, ajudo a fazer as malas e pego tudo que julgo ser necessário. Provavelmente todos estavam contentes com a viagem, afinal, eu nunca havia visto tanta mala e me perguntava se um Fiesta 2001 seria capaz de carregar tanta mala e mais 5 pessoas. Após 5 minutos, minha pergunta é respondida: Ele não podia carregar tanta coisa e precisamos reorganizar as malas: Pega uma mala menor daqui, deixa roupa lá, aperta acolá. Pai na direção, mãe ao seu lado, e os três filhos no banco de trás. Finalmente malas e pessoas conseguem entrar no Fiestinha e estão prontos para rumar para o litoral capixaba.

Não nego a euforia que me dominava. Estava decidido a ficar acordado a viagem toda e ser uma espécie de navegador, ajudando a guiar a família por uma estrada que eu não conhecia. Com a persistência de uma criança, durmo na primeira oportunidade que tenho. Encostei-me na janela da porta traseira direita e dormi igual uma pedra, deixando de absorver memórias e de respirar novos ares. As poucas memórias da estrada se resumem em paradas para abastecer o carro e para comer. Catorze horas depois, subimos a serra e chegamos ao destino. Aquele lugar era encantador, parecia uma cidade que decidiu viver como zona rural. Fomos recebidos pelo som do que pensei serem máquinas enormes com problema, mas eram algumas Arapongas de criação que haviam na cidadezinha. Os pássaros daquele lugar eram uma exceção a todo o resto do mundo: Cantando nas árvores, comendo no chão do lado de nossos pés, estavam Canários da Terra, que coloriam a pequena cidade.

Chegamos à casa do Pedro Vazzoler, grande amigo de meu pai. A casa dele era um lugar aconchegante. Em frente à casa havia um campo de futebol society, separados apenas por uma rua de terra – diga-se de passagem que o campinho era de toda a vizinhança, sem restrição – com cascalhos; do lado que dava para a garagem, havia um enorme viveiro de pássaros com todos os tipos de aves coloridas e que eu jamais havia visto e, até o momento que teço estas linhas, nunca mais vi; o fundo da casa lembrava uma chácara, com o diferencial de possuir um morro enorme a poucos metros, com o que chamavam de Pedra Rachada (eu, munido da criatividade infantil, só a chamava de Pedra da bunda, por causa de sua aparência sugestiva).

Os Vazzoler compunham uma família receptiva e acolhedora. A comida era única. Como esquecer o macarrão com frango dos domingos? Apesar de Venda Nova do Imigrante ser um excelente lugar, fomos para a capital Vitória, afinal, era quase 31 de dezembro e queríamos passar a virada de ano na praia. Ficamos no apartamento do próprio Pedro. O apartamento era próximo à praia, pelo que consigo lembrar. Pedro nos guiava pela capital: Restaurantes inesquecíveis, passeios por pontos turísticos, um simples bar; até ir à esquina olhar os carros passarem era interessante. Ano novo comemorado, o Pedro precisou voltar para a roça, que é como ele se referia à sua cidade.

Agora eram apenas os dos Santos e a capital. Cada dia decidíamos fazer algo de diferente, até que em determinada noite fomos apenas passear de carro e conhecer um pouco mais de Vitória. Numa noite havíamos rodado talvez mais que toda a estada no Espírito Santo e achamos justo parar para comer. Refeição feita, era hora de voltar para o apartamento e descansar.

Comecei a imaginar que o apartamento teria se mudado para mais longe, pois não chegávamos nunca. –“Estamos perdidos” – sugeriu minha mãe, e meu pai, com o espírito do macho guia, recusou-se a aceitar. Mais 15 minutos e todos, inclusive meu pai, renderam-se ao óbvio: Estávamos perdidos na capital capixaba! Era uma capital e, do interior, as notícias que se tem de uma capital não são muito agradáveis. Passei a imaginar nosso sequestro a cada esquina dobrada. Felizmente não fomos sequestrados ou algo do tipo, e meu pai decidiu parar num posto de gasolina para abastecer o carro e pedir informações.

Seu Edson indica a quantidade de combustível ao frentista e desce do carro –“Vou comprar cigarros” – disse e eu redargui: –“Posso ir?”. Fomos à conveniência do posto comprar os cigarros. Com a vocação natural de detive de uma criança, passei a vasculhar a lojinha. Cinco minutos depois, meu pai não me encontra e vai à minha caça na loja de conveniências (era bem maior do que as atuais lojas de conveniências). Encontrou-me parado à frente de uma prateleira de CDs, olhando para o álbum dos Mamonas Assassinas, que eu queria. Pedi para meu pai comprar o CD e ele disse não, afinal, eu já tinha um. Rapidamente, Seu Edson passa a vista nos CDs e vê um de Oswaldo Montenegro e decide comprá-lo. Munido do CD, volto para o carro emburrado, com os olhos marejados, afinal, queria o álbum dos Mamonas!

Assim que dá a partida no carro, meu pai pede o CD e eu entrego, ele coloca o CD para tocar. Por cerca de 10 minutos nem dei bola para o som; mas, sem que eu pudesse perceber, uma música começa e me chama a atenção. Era “Bandolins” e eu a ouço com obstinada persistência. A melodia da música estava em perfeita harmonia com a atmosfera de Vitória e, não sei o motivo, tudo parecia estar calmo, como se apenas a música importasse. Por volta dos 12 anos de idade eu ouvi o que considerei ser a primeira música linda de minha vida. Ao mesmo tempo em que era plangente, era doce;  uma mistura de melíflua e dor; e como era linda a música!

Hoje, com 21 anos, ouço Bandolins novamente e o sentimento que me assola, trincando meu peito é: Que saudade do meu querido pai!

Um comentário:

  1. Acho que esse é o texto de conteúdo mais rico que vi você escrever, Marco. Muito bom mesmo!
    Se me permite, eu gostaria de dar uma sugestão para atribuir mais riqueza ainda à sua escrita: depois de ": (dois pontos)", use letra minúscula - como eu acabo de usar.

    Abraço do pedreiro que, embora você insista em negar, você mais ama nesse mundão de meu Deus! hehehe

    ResponderExcluir